Quando se trata de memórias da minha vida, eu sou um incorrigível. Eu lembro de locais, datas, pessoas, fatos. Algumas coisas tão pequenas que muita gente acaba achando uma chatice para suas vidas. Eu não… gosto de lembrar das histórias que vivi, mesmo as mais tolas e irrelevantes. E com isso, vou construindo minha história pessoal. Algumas destas passagens eu acabo trazendo aqui. Outras, ficam só em minhas memórias. Esta aqui deu vontade de contar… o meu adeus ao Anglo Tamandaré.
Da escola para a carreira que queremos
A história começa no mesmo ponto onde estudantes que estavam concluindo o Segundo Grau, também conhecido como Colegial (era assim no meu tempo… hoje chamam isso de Ensino Médio). E neste ponto da vida, muita gente quer parecer gente grande e assumir as próprias decisões de vida. Uma delas… o que ser quando crescer. Qual carreira iremos perseguir para fazer daquilo o nosso meio de vida pelo resto da vida.
Antigamente, essa decisão era um pouco mais direta e assertiva. Definíamos a carreira e lá íamos nós buscar um vaga no tão sonhado vestibular. Preferencialmente numa universidade pública, como USP, UNICAMP ou UNESP. A outra alternativa era buscar uma vaga nas universidades particulares, o que no início da década de 90 parecia ser uma encruzilhada sem volta… ou você se arriscava pelos vestibulares da FUVEST, UNICAMP e VUNESP ou então você buscava o caminho mais seguro dos vestibulares das faculdades privadas.
Desde a mais tenra idade eu havia escolhido cursar medicina. Já contei esta história por aqui, quando eu homenageei o médico Algis Waldemar Zuccas, que foi meu pediatra e minha inspiração para escolher medicina como a carreira que eu queria seguir.
Durante o primário e o ginásio (o que os jovens de hoje chamam Ensino Fundamental) fui um aluno relativamente muito bom. Sem grandes sustos ou surpresas. Fui aluno do Colégio João XXIII e ali tive muitos altos e baixos. E lá foi uma época em que não sinto muita saudade. Quem sabe um dia eu conte sobre esta fase por aqui… No colegial fui para o hoje consagrado Agostiniano Mendel (sim… um dos melhores colégios da cidade de São Paulo) onde o foco principal era preparação para o vestibular. E isso se refletia nos números… boa parte dos seus alunos eram aprovados em boas faculdades, sem a necessidade de fazer cursinho.
O limbo entre a escola e a universidade
Cursinho… um limbo do sistema educacional entre o colégio e a faculdade. Não conta para nada em nossa carreira acadêmica e no final das contas serve tão somente para reparar as falhas da sua formação acadêmica do colegial (ensino médio… ah… vocês entenderam). O plano ali era sintetizar o aprendizado dos três anos do colégio em apenas um ano de ensino. Literalmente uma preparação para o vestibular. E mesmo aquilo lá não contando para sua formação acadêmica (não vejo ninguém colocando no currículos que fez cursinho), o cursinho tinha um diferencial bem importante: na maioria dos casos, a pessoa estava ali por vontade própria para se preparar (de fato) para o vestibular.
Então tínhamos ali salas enormes com cerca de cem, cento e vinte alunos e um professor num estrado com uma lousa enorme azul (lousas não eram verdes ou pretas?). Todos em profundo silêncio, acompanhando atentamente as explicações do professor. Em geral uma aula com bastante conteúdo e também com um showman à frente dos trabalhos. Sim… a aula não era tão somente uma aula, mas uma espécie de performance dos professores que precisavam lançar mão de esquetes, piadinhas, histórias, causos, e é claro, conteúdo.
O caminho para a medicina
É preciso entender que o início dos anos 90 era uma época que o grande vestibular do ano atendia pelo nome de FUVEST (que surgiu em 1976). Os vestibulares da UNICAMP e UNESP também eram importantes, mas o ENEM sequer existia. E eu estou me concentrando no cenário de São Paulo.
Para o vestibulando de medicina, o caminho era prestar FUVEST, UNICAMP e VUNESP. Era um tempo em que tínhamos em São Paulo como opções de faculdades públicas apenas USP (São Paulo), USP/RP (Ribeirão Preto), UNICAMP (Campinas), UNESP (Botucatu) e Escola Paulista de Medicina (São Paulo) que hoje é a UNIFESP. Existiam outras escolas médicas: Santa Casa (São Paulo), OSEC (Santo Amaro), Jundiaí, Bragança Paulista, Mogi das Cruzes (UMC), Santos (Fundação Lusíada), Marília (FAMEMA, na época fundacional, mas não era pública), FAMERP (também fundacional, mas não era pública), Taubaté (UNITAU) e mais algumas outras particulares que eu confesso que não me lembro. Outras opções fora do estado seriam os vestibulares da UFPR (Curitiba), UEL (Londrina), UFMG e eventualmente UFRJ.
Hoje o cenário é bem diferente. Temos mais escolas públicas e particulares e o ENEM tornou-se uma grande via de acesso. Mas naquela época, o calendário priorizava obviamente FUVEST, UNICAMP e VUNESP. Todos os outros precisavam se encaixar no calendário. Além disso, a FUVEST era porta de entrada para USP, USP/RP, EPM e Santa Casa. Assim, para o vestibulando típico de medicina, a maratona de provas começava lá pelo início de novembro e ia até o final de janeiro.
Preparação era fundamental.
O Anglo Vestibulares
Como você já percebeu, eu pertenço àquela parcela que não passou no vestibular ao final do colégio. Aliás, no meu último ano de colégio eu tomei uma série de decisões erradas, muitas delas tomadas com base em critérios emocionais e pouco racionais. Uma delas foi sair do Agostiniano Mendel e partir para uma um colégio mais fraco. Fui para uma unidade do Colégio Objetivo (que na época – década de 90 – era rotulado com perigoso estigma do “papai pagou, passou”) com o intuito de fazer colégio pela manhã e cursinho a tarde.
O meu plano maluco era fazer o último ano do colégio com uma performance apenas o suficiente para concluir o colegial e realmente me preparar para o vestibular com as aulas do cursinho. E é neste ponto que começa minha história com o Anglo Vestibulares.

A ideia de um curso preparatório para vestibulares é bem mais antiga do que você pensa… Na década de 50, os professores Simão Faiguenboim, Emílio Gabríades, Abraham Bloch e Carlos Marmo unem-se para criar o Curso Anglo que iniciou suas atividades em 13/03/1950. Eles realmente foram precursores nesta história de curso pré-vestibular, pois seus principais concorrentes de São Paulo (na época) vieram no início da década de 70 (caso do Objetivo) e final da mesma década de 70 (caso do Etapa). Sim… outros cursinhos pipocavam por ali: Stockler, Poliedro, COC, Hexag, CPV, entre outros nomes de maior ou menor expressão. E naquela época começavam a surgir os chamados “cursinhos populares”, como o Cursinho da Poli e outros.
Mas apesar da grande concorrência, era um fato que o Anglo dominava o cenário dos cursinhos. Mérito deles que tinham um grande índice de aprovação e realmente apresentavam resultados.
Eu fui para o Anglo… mas eu seria desonesto de eu dissesse que fui por critérios técnicos. Eu fui por critérios bastante subjetivos… o primeiro foi por conta da irmã de um amigo meu do tempo do colégio. Ela saiu do colégio e foi fazer cursinho e eu achei aquilo “muito adulto”. O segundo critério foi amoroso: na época eu namorava um garota que fazia Anglo e eu pensei que se estudasse no Anglo, eu teria mais tempo com ela. Sim… me julguem.
Minha trajetória no Anglo
A descoberta do Anglo em 1992
O ano de 1992 foi meu primeiro ano de Anglo. Eu estudava à tarde, pois de manhã eu ainda fazia o colégio. Tudo era novidade para mim: ausência de uniformes, direito de ir e vir dentro do cursinho (você não precisava assistir uma aula se não quisesse), liberdades até então estranhas para um ambiente de ensino (alunos fumantes poderiam fumar nos saguões fora das salas nos intervalos das aulas) e alunos genuinamente interessados em assistir as aulas.
Tínhamos apostilas, livros e intervalos de 5 minutos entre cada aula, além de um intervalo maior de 30 minutos após a terceira aula. No primeiro dia veio um senhor sisudo logo na primeira aula nos dar boas vindas. Apresentou-se como Prof. Stávale, coordenador do curso. Fez um discurso motivacional e apresentou alguns números sobre o vestibular. E aí vieram as aulas… Joseph, Usberco, Paiva, Ernesto, Ponce, Platão, Moura, Tito Márcio, Gilberto, Axé, Luiz Teixeira, entre outros eram os nomes dos professores que tive naquele primeiro ano.
Foi um ano que descobri a liberdade de fazer o que quiser. É claro que eu assistia as aulas, mas era bom saber que eu tinha a liberdade de não estar em sala se assim eu quisesse. Conheci pessoas diferentes, conheci culturas diferentes. O meu mundo parecia ter ficado bem maior. A parte cômica da história é que a tal namorada que me motivou a ir para o Anglo deixou de ser namorada antes mesmo do início das aulas. Conheci outras garotas por lá e não vou negar que aproveitei bastante aquela época.

No final do ano, eu fui aprovado tão somente no colégio. Fui para a segunda fase da UNICAMP, mas não passei da primeira fase na FUVEST. A UNESP na ocasião tinha apenas uma única fase em três dias de prova e eu não fui aprovado. Neste ano não prestei nenhuma faculdade particular.
O anglo em 1993… primeiro ano estudando pra valer
Sendo reprovado em minha primeira tentativa, eu me dei mais uma chance. Quer dizer, meus pais deram, porque afinal de contas, o cursinho era pago… muito bem pago. Fiz então o extensivo em 1993 por lá havia desde o início um senso de competição. Os alunos eram submetidos a uma prova classificatória e os alunos eram alocados nas salas conforme seu desempenho.
O Anglo tinha um sistema de classificação de grupos e salas. O Grupo 14, 16 e 18 eram reservados às turmas de biológicas e cada grupo tinham as salas A, B e C. Assim, A14, B14 e C14 eram as melhores salas, seguidas por A16, B16 e assim por diante até C18. Então, se você estava na sala A14, você pertencia à elite do cursinho, com os melhores alunos e melhores professores. Estar na B14 ou C14 também era bom, mas você não estava no topo.
Eu fiquei o ano inteiro na sala C14. Não era dos piores, mas também não era dos melhores. Bons professores, uma turma legal. Naquele ano eu me dedicava integralmente ao vestibular. Acordava às 05h20 da manhã colocando um despertador na panela, tomava banho, café da manhã com direito a leite com Toddy (jamais Nescau) e pão com manteiga. Em seguida tomava o ônibus 314-V (Praça Almeida Júnior/Vila Ema) e descia no ponto final no bairro da liberdade. Caminhava por 5 a 10 minutos pela Rua Galvão Bueno em direção ao Anglo. Rua Tamandaré, 596.
Naquela época a entrada do prédio ficava escondida por um posto de gasolina de bandeira Shell, você entrava por um acesso e descia uma ladeira que ao fim dava acesso aos prédios do Anglo. Os três prédios do complexo eram lá baixo do terreno. Havia um prédio no meio da ladeira onde funcionava a sala da divulgação de cursos e matrículas… depois era a entrada com os guichês para pagamento das mensalidades e uma cantina, além da entrada da sala da coordenação e sala dos professores.
Aí você tinha que descer mais um lance de escadas para ir ao saguão principal dos alunos. E só ali você se encaminhava para os prédios das salas… Prédio B, onde ficavam as salas 01 (Beta de Exatas), 02 (Alpha de Biológicas), 03 (Gama de Humanas), 04, 05 e 06 (não lembro quem ficava ali). No outro anexo, o Prédio C ficavam as demais salas de aula, além da salas de estudos e sala de audiovisuais. E descendo as escadas, mais uma cantina, outras duas salas de aula e por fim, a quadra de esportes…
Era um labirinto… mas eu me sentia bem naquele lugar. Sentia que estava caminhando para algum lugar. E estava mesmo… Pena que depois me perdi em outros labirintos.. os labirintos da vida. Eu estudava na sala 10, no prédio C. E lembro com carinho das aulas de novos professores (além de alguns antigos que já conhecia): Glenn, Paiva, Teixeira, Sorocaba, Arruda, Thales, Usberco, Lembo, Salvador, Armênio, Caldini, Dan, Cacá, Ivan Teixeira, Moura, Gilberto, Tito Márcio, Axé e Patrícia. Devo ter esquecido alguém…
Eu chegava no Anglo por volta das 06h45. As vezes eu ia até a cantina tomar um café ou um chocolate quente e entrava em aula as 07h00. Aulas de cinquenta minutos com intervalo de 10 minutos. Três aulas, um intervalo maior de 30 minutos e na sequência, mais três aulas. Aulas até 13h10. Muita gente ia para casa, mas eu ficava por lá. Aprendi que havia por lá um refeitório, e eu levava uma marmita e almoçava por lá. Por volta de 14h00 eu ia até a sala da monitoria para pegar uma prancheta e partir para uma das salas de estudo disponíveis.
Aí eu botava a bunda na cadeira e ia até umas 19h00~19h30 estudando. Umas duas vezes por semana eu tinha laboratório de redação à tarde e vez ou outra alguma palestra ou evento. De vez em quando eu chutava tudo para o alto e ia para a quadra do Anglo jogar basquete. As vezes ficava por lá por horas. Era um respiro necessário. Aliás, foi o ano do meu dia de palmeirense. Eu já contei esta história por aqui… Perdi uma aposta e fui submetido ao jugo público.

Naquele ano eu realmente concorri a uma vaga pra valer. Fui aprovado para a segunda fase tanto da FUVEST como UNICAMP. Na UNESP eu fiquei na lista de chamada, que nunca aconteceu. O mesmo aconteceu na FUVEST, mas eu no máximo teria sido aprovado na Santa Casa. Além disso, fiz alguns vestibulares particulares por pressão dos meus pais. Fui aprovado em Marília, Mogi, Santos, Taubaté e São José do Rio Preto. Pois é… eu poderia ter ido para a faculdade de medicina em 1994.
1994… o ano da aprovação
A aprovação nas faculdades particulares causou uma briga danada com meus pais. Eles queriam que eu de toda forma fizesse a matrícula em qualquer uma daquelas que passei entre as particulares, mas só tinha um problema: eu não achava justo ter investido tanto em tanto tempo para não chegar até o fim. Não era justo comigo, com meus pais… na minha cabeça simplesmente não era justo.
Meu pai se recusou a pagar mais um ano de cursinho. Para minha sorte, eu havia conseguido uma bolsa de estudos para o ano seguinte. Eu havia feito a prova e conseguido 80% do valor do cursinho. Assim, era possível pagar com o restante com o dinheiro que eu tinha guardado na poupança. Então, derrotado nos vestibulares de 1993 lá fui para mais um ano de estudos.
Era um caminho bem conhecido por mim. Uma rotina que eu já estava acostumado e que me era bem familiar. Naquele ano eu havia conquistado meu lugar na “lendária” sala 02. Pois é… eu havia conseguido me classificar na Sala A14, a elite dos alunos do Anglo. Foi um ano que passei boa parte dele brigado com meus pais. Eles simplesmente não se conformavam com minha decisão de abrir mão da vaga certa numa faculdade particular pela possibilidade de fracassar mais uma vez no vestibular.
Abri mão de muitas coisas… até mesmo terminei um namoro por conta dos estudos. Deixei de ir ao cinema, festas, amigos (os poucos que tinha), tudo… minha rotina começava no cursinho e terminava no cursinho. Eu apenas dormia e tomava banho na casa dos meus pais. Eventualmente nem jantava. Ia direto para cama. No Anglo, muitas dúvidas e questionamentos. Cheguei a levar uma bronca do Stávale para aproveitar a vida e esperar o momento certo de fazer as coisas.

Era ano de copa do mundo… o Brasil ganhou a Copa e muitos jogos eu assisti nos saguões do Anglo, pois eles montaram um projetor para que os alunos pudessem assistir aos jogos nos horários das aulas. Ia para lá de segunda à sábado (sim, tinha aula normal no sábado) e as vezes até mesmo no domingo para estudar.
Deu certo? Bom… deu… Naquele ano fui aprovado na FUVEST na USP de Ribeirão Preto. Também fui aprovado em Medicina na UNICAMP. E ainda por cima fui aprovado na UNESP na Faculdade de Medicina de Botucatu. Por pressão dos meus pais também prestei Fundação Lusíada, PUC/SP e Mogi. E fui aprovado nas três também. Lembro que fui ver os resultados no Anglo. Naquela época não tinha internet, então as listas eram afixadas na entrada do cursinho. Foi uma alegria danada. Uma explosão de emoções… eu iria cursar medicina.
A vida depois do Anglo
É engraçado que eu estava tão acostumado àquela rotina que eu confesso que por um tempo fiquei pensando o que faria dali pra frente. Obviamente iria para a faculdade. Mas me dava certa tristeza deixar de estar naquele lugar onde aprendi tanta coisa.
Preciso dizer que fiz amigos por lá… e ainda lembro seus nomes… Gracielle, Fernanda, Luizinho, Luizão, Binho, Simone, Rogério, Robert, Claudia, Mariella e mais alguns. De todos eles guardo contato com a Claudia (que fez UNICAMP comigo) e com a Mariella (que mantivemos amizade mesmo que à distância).
Fui para Campinas. Escolhi a UNICAMP pela questão de proximidade com São Paulo. Me apaixonei por lá. Mas voltei ao Anglo ainda no começo do ano letivo de 1995, desta vez com a camisa da faculdade para mostrar meu sucesso. Um pouco de arrogância, um pouco de orgulho, um pouco de felicidade… e claro um pouco de saudade.
O tempo passou, vou poupá-los do drama da perda da faculdade, e vez ou outra eu passava pela Rua Tamandaré, 596. E ali eu sempre via o prédio do Anglo. O posto Shell há muito tempo tinha sido demolido e dado lugar a nova fachada do Anglo. E sempre que eu passava por ali, muitas lembranças. Aquele lugar fazia parte da minha história de forma muito significativa. Foi a primeira vez que eu me lembro de ter definido um objetivo e conquistado ele. Mérito meu? Acredito que sim, mas mérito também daquele lugar, que me ensinou disciplina e método. Que me ensinou conteúdos necessários para que eu pudesse seguir em frente.
O fim do Anglo Tamandaré
Estamos em 2023… Faz quase 30 anos que deixei as salas do Anglo como aluno. Vez ou outra eu ainda passo em frente ao cursinho. E continuo me lembrando das histórias que vivi ali. Até que hoje eu descobri que desde o último dia 24 de julho, a unidade Tamandaré fechou as portas. Não encerraram as atividades. Mas sim mudaram sua sede para a Rua Bela Cintra, na região da Avenida Paulista. Os antigos prédios que serviram ao Anglo por mais de 60 anos deram lugar a um prédio mais moderno, numa localização privilegiada e de fácil acesso ao metrô e ao centro econômico da cidade. E ficou bem próximo à unidade da Rua Sergipe, ali no meio da Rua da Consolação.
O prédio da Rua Tamandaré fechou. Eu já tinha a informação que ele havia sido vendido alguns anos atrás. Talvez vítima de especulação imobiliária ou então da nova gestão do Anglo que resolveu modernizar as coisas por lá. Em 2010, a Abril Educação comprou o Sistema Anglo de Ensino, o que incluiu não só o cursinho Anglo Vestibulares, mas também a Editora Anglo e o Sistema SIGA (para concursos públicos). Um movimento que fez parte do processo de estruturação de grandes empresas no setor da educação. Posteriormente, a Abril Educação tornou-se SOMOS Educação e em 2018, o grupo foi vendido para o Kroton Educacional, que hoje é conhecida como Cogna Educação que atua em todos em segmentos da educação, desde a educação básica, passando pelo ensino médio e superior.

O Anglo hoje é apenas mais um negócio numa gama de outras marcas. Os modernos conglomerados educacionais trabalham obviamente para balancear a equação entre lucratividade e seu papel social na educação, e é claro que é um tremendo cartão de visitas que o seu curso pré vestibular aprove muitos alunos nas principais universidades públicas do país.
Talvez aquela época onde eu fiz meu cursinho tenha ficado pra trás… hoje são outros meios para o ingresso no ensino superior e com as diversas iniciativas de inclusão social, um curso pré-vestibular como Anglo, Objetivo e Etapa (para ficar nos principais nomes de São Paulo) talvez tenha perdido o sentido. Além do mais, os valores destes cursos são bem altos para a realidade atual, o que restringe ainda mais o público.
Eu gosto de lembrar daquelas manhãs na Rua Tamandaré, onde o mundo ainda estava por ser descoberto. Onde podíamos sonhar com o futuro e o que faríamos com ele.

Sinto falta daquela época… sinto falta daquele Ricardo confiante e determinado a conquistar seus objetivos.
Onde ele está?
Post Scriptum… o dia após a aprovação
Eu não saberia como encaixar esta parte da história no texto, então deixei para o final. Lembra quando eu disse que brigava demais com meus pais no ano de 1994? Pois é… numa destas brigas, meu pai disse que eu seria incapaz de entrar numa faculdade de medicina pública, que eu deveria me conformar com minhas limitações e tentar algo mais fácil. Ele ainda me chamou de “saco de bosta”. Realmente eram brigas horríveis…
Bom, houve a aprovação e eu não contei a ninguém em casa naquele dia. Era uma vitória minha, que eu não tinha ninguém para comemorar. Então fiquei até mais tarde no cursinho e voltei tarde da noite para casa quando todos já dormiam. Confesso que eu estava meio bêbado… tomei um banho e fui dormir.
No dia seguinte, quando me levantei, fui para a cozinha tomar meu café. Não havia ninguém… mas sobre a mesa estava aberto o jornal do dia, justamente na página com a lista dos aprovados. O meu nome estava destacado com um grande círculo à caneta e uma anotação ao lado: “Parabéns!”. Logo reconheci a letra do meu pai… Ele nunca me pediu desculpas pelas coisas horríveis que me disse ao longo daquele ano. E eu infantilmente, nunca agradeci pelo gesto de reconhecimento. Uma bobagem, não é?