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Agora é em qualquer lugar

Uma festa que acontece a cada quatro anos em um país, reunindo as melhores seleções do mundo na disputa pela Copa do Mundo. É o evento máximo do futebol e a honra de sediar o evento sempre foi algo bastante disputado pelos países membros. Serão três países em 2026 e para 2030, prometeram seis países-sede. Parece que a Copa agora é em qualquer lugar.

Por aqui no UBQ, acompanhamos os mundiais desde a edição de 2010, quando a África do Sul sediou o evento, vencido pela Espanha que faturou seu primeiro e único título. Anteriormente, com a exceção da edição de 2002 que foi uma realização conjunta entre Coréia do Sul e Japão, a Copa do Mundo sempre teve como sede um único país. E mesmo no distante ano de 1930, a escolha pelo Uruguai era justificada. Afinal, estávamos falando do então bicampeão olímpico.

A história mostra que política e futebol caminham juntos

A Copa do Mundo organizada pela FIFA é um evento quase centenário. A ideia surgiu nos primeiros anos da FIFA (que é de 1904) e a entidade tentou organizar em 1906 um torneio na Suíça. Mas das 16 nações convidadas, nenhuma confirmou sua participação e o projeto foi posto de lado. Após a 1ª Guerra Mundial foi Jules Rimet que convenceu as federações nacionais a organizarem um torneio mundial entre seleções e somente em 1928 finalmente veio a aprovação para a realização do evento. Um evento cheio de dúvidas quanto à sua viabilidade.

Jules Rimet deu início a tradição do futebol mundial da Copa do Mundo

Os primeiros mundiais

Era uma época bem diferente. Política e futebol se aproximavam perigosamente e muitas decisões eram tomadas com critérios políticos. Por esta razão, 1934 teve a Itália como país sede e em 1938 coube à França sediar o evento. A guerra deixou a Europa em pedaços e seus países em situação econômica bem precária. Por esta razão, ter o Brasil como sede em 1950 foi a solução para que o evento pudesse acontecer.

Em 1954 e 1958, Suíça e Suécia respectivamente mostravam sua força política dentro da FIFA e com economias mais estáveis do que o resto da Europa, conseguiram sediar o evento. E foi nesta época que surgiu a televisão nas transmissões dos jogos. Pelo menos para o continente europeu. Além disso, é bom lembrar que a sede da FIFA é em Zurique, na Suíça.

Surge a ideia do rodízio de continentes

O evento mundial já era um sucesso e com tanta visibilidade, era natural que muitos países demonstrassem interesse em sediar o evento. Além da visibilidade, a copa move a economia do país, seja por conta da criação de infraestrutura, seja pela movimentação turística. A FIFA argumentou que deveria existir um rodízio de continentes na realização do evento. Mas estamos falando de uma época onde o futebol só tinha relevância mesmo na América Latina e na Europa. Então o tal “rodízio” era reduzido a estas localizações.

Com duas copas europeias, Chile e Argentina disputaram a primazia, e os chilenos levaram a melhor para 1962. Mesmo com o terremoto de 1960, a persistência de Carlos Dittborn garantiu a realização do evento por lá e fez tudo quando não havia nada… leiam a crônica do Michel sobre o assunto para entender esta história.

Os ingleses pararam com a birra que tinham com a FIFA e sediaram a copa de 1966. Ganharam uma copa polêmica. E seguindo o rodízio, foi a vez do México em 1970 ver o tricampeonato brasileiro. E foi nesta época que surgiu a primeira candidatura fora do eixo América Latina – Europa. O Japão que sediara recentemente uma olímpiada, apresentou sua candidatura, mas não chegou a ser escolhido como sede. A curiosidade é que a escolha da copa de 1970 foi justamente no congresso da FIFA realizado no Japão em 1964.

Decidindo no atacado

Para as copas seguintes, a FIFA resolveu sacramentar as escolhas de 1974, 1978 e 1982 de uma só vez. A escolha foi apresentada no congresso da FIFA em 1996, realizado em Londres. E nesta época uma série de decisões foram tomadas atendendo aos interesses políticos e financeiros dos países. Assim, em 1974 a Alemanha Ocidental foi escolhida após a Espanha negociar o direito de sediar o evento em 1982. Em 1978 a copa seria finalmente na Argentina e pela segunda vez surgiu uma candidatura “fora do eixo”. O Irã apresentou seu interesse em sediar o evento. Mas foi rapidamente excluído.

A escolha da Argentina foi polêmica: afinal de contas, dois anos antes houve um golpe militar naquele país. Mas muito dinheiro havia sido colocado em jogo na realização do evento. Então a copa – com ou sem golpe militar – aconteceu por lá.

Em 1982, como dito anteriormente, foi a Espanha que sediou o evento. Ela queria o mundial de 1974, mas aceitou uma barganha política para receber o evento em 1982. Já era uma época em que os números financeiros das copas eram astronômicos. E apesar das decisões políticas, sediar uma Copa do Mundo era um negócio bastante lucrativo.

Improvisando em 1986, a volta à Europa e a rendição ao capital

De olho no dinheiro que a Copa renderia ao país, e observando o rodízio entre Europa e América Latina, seria a Colômbia a sede, de acordo com a decisão tomada no Congresso da Suécia de 1974. O país teria cerca de 12 anos para se preparar. Mas a falta de organização e de dinheiro fez com o que em 1982 o país desistisse de sediar o evento. Restou a FIFA improvisar e assim pela primeira vez em sua história, a entidade repetiu o país sede, onde o México foi escolhido em detrimento da candidaturas do Canadá e Estados Unidos.

Em 1990, nove países apresentaram candidaturas, o que demonstrava um ávido interesse pelo evento. Após votação no ano de 1984, a Itália voltou a ser escolhida como sede, desde 1934. Venceu a União Soviética, que em tempos de comunismo não era uma escolha lucrativa para a FIFA.

E em 1994, venceu o capitalismo. O país não tinha (e não tem) quase nenhuma tradição no futebol. Para os norte-americanos, Football se joga com as mãos. E Soccer com os pés. Mas o país percebeu que poderia lucrar muito com o evento e mesmo com adaptações em seus estádios, trouxe o Soccer para a terra do Tio Sam e com isso promoveu o maior evento da história até então.

Ah sim… eu me esqueci… entre 1930 e 1978 a competição contou sempre com 16 seleções em sua fase final. O número subiu para 24 seleções a partir de 82. E em 1998 novo aumento para 32 seleções. Quanto mais seleções, mais jogos, mais dinheiro, mais lucro.

Surgem denúncias de corrupção e a primeira copa em dois países

Nesta época já tínhamos países que insistiam em candidaturas “fora-do-eixo”, sendo o Marrocos um dos países persistentes em conquistar a honra de ser o país sede. Mas na votação promovida pela FIFA, o país foi novamente derrotado, desta vez pela França que voltaria a hospedar o mundial após sua primeira hospedagem, no distante ano de 1998.

Muitos anos depois, uma investigação conduzida pelo FBI e por autoridades do governo suíço demonstrou que houve suborno de alguns membros do comitê executivo da FIFA em prol da candidatura do Marrocos. Parece que ser o anfitrião do mundial valia tão à pena que os países se dispunham a tudo.

A escolha para a sede de 2002 ocorreu em 1996 e tanto o Japão como a Coréia do Sul disputavam com o México o direito de sediar o evento. Seria a terceira vez que o México sediaria o evento e a FIFA precisava respeitar o tal rodízio de continentes. Nesta época, o futebol asiático começava a prosperar e ganhava algum protagonismo. Dizem as más línguas que o Japão era o favorito, mas em algum momento do processo alguém propôs a partilha do torneio entre os dois países.

E isto resolveria muitas coisas… atenderia aos interesses das federações asiáticas e também aos interesses comerciais da FIFA. Assim, pela primeira vez na história, dois países sediaram a Copa do Mundo, sendo a abertura do evento realizada na Coréia do Sul e a final no Japão. E obviamente o evento foi mais uma vez, um sucesso de audiência e lucro.

A volta para Europa e a descoberta de um novo continente

O mundial de 2006 trouxe a competição de volta à Europa. Novamente, a Alemanha – desta vez unificada – sediaria o evento após sua escolha em 2000 contra a Inglaterra, África do Sul e Marrocos. Mais uma vez surgiram acusações de corrupção e suborno para a escolha do país sede. Surgiram suspeitas de que algumas empresas usaram sua influência para determinar a escolha, além de algumas empresas de mídia usarem seu poder econômico para enfim, definir a Alemanha como país sede. Aliás foi uma copa cheia de controvérsias… falamos sobre isso em nosso podcast.

Para o mundial de 2010, a FIFA definiu que o evento respeitaria o rodízio de continentes. Assim, considerando que em 1994 o evento este nas Américas, em 1998 e 2006 esteve na Europa e em 2002 na Ásia, para a Copa de 2010, obrigatoriamente a sede seria escolhida dentre países da Confederação Africana. Por ora, a Oceania ainda permaneceria esquecida como continente. Mais uma vez, novas suspeitas de suborno e corrupção. E novamente o Marrocos no meio da confusão. Por fim, a África do Sul foi escolhida e como a música oficial bem lembrava, desta vez é na África.

O outrora país do futebol voltou a sediar o evento e surge a locomotiva russa

Finalmente a FIFA colocou o tal rodízio de continentes em funcionamento de fato. E considerando que a América do Sul tinha visto o evento por aqui pela última vez em 1978, na Argentina. Passou perto com o México em 1986, mas tecnicamente, estamos falando de América do Norte. Na época, a preocupação da FIFA estava na capacidade dos países sediarem o evento, já que a Colômbia em 1986 tinha deixado dúvidas quanto à viabilidade do evento aqui no continente.

Apesar da observância do rodízio por parte da FIFA, alguns países propuseram candidaturas que não foram adiante. Austrália, Iraque/Jordânia (em nova candidatura dupla), além dos EUA e Colômbia expressaram algum interesse, mas não foram adiante. Assim, após o governo brasileiro apresentar garantias para a realização do evento, o país acabou vencendo por unanimidade a votação. Mas é bom lembrar que foi uma “unanimidade” relativa. Ela aconteceu após Argentina/Chile e Colômbia retirarem suas candidaturas.

Para 2018, a FIFA voltou a atuar no atacado. De uma tacada só resolveu as sedes de 2018 e posteriormente 2022. Ao mesmo tempo, a entidade fez alterações nas regras do seu rodízio, onde os países pertencentes aos continentes das últimas duas copas estariam inelegíveis. Assim, em 2018 países sulamericanos e países africanos ficariam de fora. E para 2022, o continente do país escolhido para 2018 ficariam de fora, assim como os países sulamericanos. Confuso? Um pouco…

As candidaturas em conjunto viraram moda e para 2018 tivemos as aplicações de Bélgica/Holanda, Inglaterra, Rússia e Portugal/Espanha. Na primeira rodada de votações, ocorrida em 2010, a Russia não alcançou a maioria e a Inglaterra foi excluída. Para o a segunda rodada, ela conseguiu a maioria dos votos e assim, foi escolhida como sede para 2018.

Catar e o dinheiro

Com a definição da sede europeia em 2018, as candidaturas para 2022 foram apresentadas por Australia, Japão, Catar, Coréia do Sul e Estados Unidos. E o escolhido foi o Catar. E mais uma vez foi o dinheiro que falou mais alto porque nem eu, nem você vimos o futebol catariano como um protagonista do cenário mundial do futebol. Mas o dinheiro dos petrodólares falou alto. Muito alto. E com isso, o Catar trouxe a copa para o Oriente Médio.

E novamente, denúncias de suborno e corrupção surgiram, onde alguns votantes receberam – em teoria – propina de 1 a 5 milhões de dólares por seu apoio à candidatura do Catar. Dinheiro de pinga se considerarmos que a FIFA arrecadou pouco mais de US$ 7,5 bilhões com a realização do evento.

Mas o Catar lucrou com a Copa? Bom… financeiramente eles não precisavam do dinheiro. Dinheiro aliás, não falta por lá graças ao petróleo. Mas a Copa foi uma bela vitrine (bastante distorcida) do modo de vida árabe, mostrando ao mundo que o Oriente Médio está pronto para o futuro no cenário mundial.

As copas que virão por aí

O próximo mundial já tem data e local definidos. Será entre os dias 8 de junho e 19 de julho de 2026. E será a primeira Copa do Mundo a contar com 48 países. Um inchaço só justificado pela lucratividade do evento. Mas este inchaço implica em custos maiores para organização e execução do mundial. E por conta dos números superdimensionados, a FIFA estabeleceu critérios para estádios e dependências esportivas.

E de olho no rodízio proposto pela entidade, a copa não poderia ser realizada nem na Europa, nem na Ásia. Surgiram então as candidaturas de Marrocos (que tentou pela quinta vez sediar uma copa) e a candidatura conjunta de Canadá, México e Estados Unidos. Além do mais, a FIFA também estabeleceu alguns critérios além da infraestrutura e também do interesse econômico: entraram também o respeito aos direitos humanos e também a preocupação ambiental. E isso encareceu os custos de realização.

Na escolha da sede, os países votaram individualmente e com isso 200 federações votaram. Ao final, a candidatura conjunta da América do Norte venceu e conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2026 e será uma loucura logística. Estamos falando de um torneio com 12 grupos de 4 seleções com simplesmente 104 jogos, onde para chegar à final, uma seleção terá que disputar 8 jogos.

E então… a loucura de 2030

E então, chegamos ao dia de hoje, quando a FIFA anunciou a sede para o mundial de 2030. A sede não… as sedes. Num movimento inédito, a Copa do Mundo será realizada em seis países diferentes. Pelo rodízio, nem países das Américas central e do norte, nem países da Ásia poderiam se candidatar.

Assim, surgiram como principais candidaturas Portugal/Espanha, Marrocos (mais uma vez) e Argentina/Paraguai/Uruguai). A candidatura ibérica tinha força por conta do poder da liga espanhola e também pelo fato de Portugal nunca ter sediado o evento. Por sua vez, a candidatura tríplice do Prata levava em conta de se tratar do centenário do evento, o que seria um retorno às origens do evento ( no início, o Chile também estava na patota, mas não passou de uma especulação). Por fim, o Marrocos, sempre teimando em sediar o evento e até mesmo vinha credenciada pela boa atuação na copa de 2022. Outras candidaturas conjuntas foram cogitadas e posteriormente abandonadas. É o caso de Egito/Grécia/Arábia Saudita, Reino Unido/Irlanda.

Novamente, foram considerados critérios de sustentabilidade, proteção ambiental e direitos humanos para a escolha da sede. Mas não houve uma eleição. A FIFA simplesmente resolveu atender a tudo e a todos. Assim, definiu que a copa do mundo de 2030 será realizada em Portugal, na Espanha, no Marrocos (se não pode com eles, junte-se a eles, não é mesmo?). E também no Paraguai, no Uruguai e na Argentina.

Sem votação, todo mundo foi atendido em 2030. A Copa agora é em qualquer lugar

Parece uma loucura, mas olhando mais de perto, ficou definido que nos países da América do Sul, apenas um jogo será realizado em cada país. O jogo de estreia de cada nação. E posteriormente os outros jogos serão realizados nos paíse que cercam o estreito de Gibraltar, além de Portugal, que afinal de contas, é ali do lado.

A Copa do Mundo pertence a um país ou ao mundo?

De um torneio entre 16 seleções, onde a participação do evento era por vezes condicionada a benefícios financeiros para as seleções, chegamos a uma competição global gigantesca e cheia de desafios financeiros, logísticos e também culturais. A FIFA conseguiu transformar a Copa do Mundo num produto cobiçado e rentável, não só para ela, mas para seus parceiros. E onde todo mundo ganha, todo mundo quer fazer parte da rodinha.

Eu vivi uma época em que sediar uma copa do mundo era uma honraria para poucos países. Assisti copas onde o futebol nem sempre foi protagonista do evento. E vi que as últimas edições se preocuparam mais em garantir os números do evento.

Parece que a Copa do Mundo FIFA se tornou um evento que pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer tempo, com quaisquer seleções. Se o melhor vencerá ou se os melhores estarão ali… isso está se tornando apenas um detalhe.

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

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