Seguinte, para começo de conversa: aquele lugar onde se joga futebol, composto de um gramado rodeado por uma arquibancada se chama “Campo” ou “Estádio”. Chamar aquilo do nome coxinha “Arena” é nivelar por baixo, descaracterizar, faltar com o respeito a um patrimônio nacional. Meu time, salvo engano, inaugurou a era dos naming rights ao batizar seu estádio como “Parque Antarctica”, aludindo à marca de cerveja. Depois da reforma vai se chamar arena-qualquer-coisa, mas que se dane.
Falar de Copa para minha geração é falar da seleção de 82. Já vi três títulos mas nenhuma seleção como aquela. O epopeico Brasil x Itália que nos tirou da Copa foi disputado no Estádio Sarriá, em Barcelona. Reparando bem na estrutura do estádio é fácil perceber que se trata de um campo acanhado, pouco maior que nossa lendária Vila Belmiro. O Sarriá foi demolido e mora apenas em nossas memórias. Era tudo menos um estádio “Padrão Fifa”.
O chamado “Padrão Fifa” na verdade começou a ser forjado a partir da copa dos EUA, quando se percebeu o que poderiam ser Estádios. Desde então busca-se copiar o que foi visto nos campos norte-americanos, construídos originalmente para a disputa daquela estrovenga que eles tem a coragem de chamar de “football” por lá (de onde será que vem o termo “soccer”?). O resultado é a pasteurização, o esfriamento do espetáculo, sem falar no aumento no preço do ingresso. Tá bom… é pra sentar em cadeirinha, ter iluminação bonitinha, gramado aparadinho. Mas muito do ritual se perdeu. Veja só este trecho, sobre a reforma do Maracanã (cujo nome oficial é Estádio Mário Filho), publicado na Der Spiegel:
O estádio, construído em 1950, era um símbolo contra o racismo e a ditadura. A arquibancada era redonda para que todos pudessem ter a mesma visão do estádio. Não havia divisões. Quando as equipes trocavam de lado, os torcedores davam a volta.
E todos podiam entrar. Duzentas mil pessoas cabiam no Maracanã, era o maior estádio do mundo. Os ingressos no anel inferior eram tão baratos que até mesmo mendigos podiam comprá-los. Os franceses tinham a Torre Eiffel. Os americanos, a Estátua da Liberdade. Os brasileiros, o Maracanã.
Após diversas reformas ao longo dos anos, o estádio virou um shopping center com grama no meio e os ingressos mais baratos custam 80 reais.
Hoje o Maracanã tem a cara de qualquer estádio da Fifa. Podia estar em Londres, em Frankfurt ou em Yokohama”, lamenta a reportagem. “É uma arena para a televisão, e não para os brasileiros. É um assassinato cultural.
Opinião de uma revista alemã…
Ok, os gastos são os maiores já feitos. Ok, a lei das licitações mudou para bem pior. Ok, os aeroportos não melhoraram nada, não foram feitas obras de mobilidade urbana. Ok, a Fifa terá o maior lucro de sua história pois não pagará impostos. Ok, o Felipão deu uma entrevista exclusiva de 80 minutos para a Fátima Bernardes na chegada dos jogadores à Granja Comari. Ok, eu também não sei de onde saiu o Dante nem o Luiz Gustavo e ainda me assusto vendo o Hulk em campo.
Mas acho que a idéia de “escolas e hospitais padrão Fifa” é apenas uma analogia eficaz. Vale para cartolina de passeata e só. Com toda a esculhambação que nos é patente, o país vai gastar no total, arredondando para cima, 25 bilhões de reais com essa Copa. Isso em 7 anos. Só com educação, o orçamento é de 280 bilhões por ANO. Tem-se facilmente que o gasto total com os sete anos de preparação para a Copa equivale ao gasto de UM MÊS com educação. Dinheiro, portanto, temos. Faz tempo.
Não temos é organização, instituição e, permitam, manifestação para que ele seja bem investido. Dizer que o gasto com a Copa ocorreu em detrimento dos gastos com setores fundamentais é fazer um gol-contra.
Que o evento da Fifa nos leve a aprender como nosso dinheiro é gasto pelo governo, de uma vez por todas. Que o legado seja uma maior atenção de nossa parte com o que deixamos de impostos para os poderes da República. Mas, se querem saber, nem metrô, nem aeroportos, nem a fiscalização dos gastos e cá para nós, nem o hexacampeonato. O legado indelével desta Copa será apenas e tão somente a gente começar a se referir aos elefantes brancos plantados ou reformados em várias capitais como… arenas…