A professora de redação colocou a transparência na lousa com a letra da música. Colocou para tocar a fita do Legião. Alguns cantavam baixinho. Meu olhar cruzou com o de Daniela. De novo. Ela sorriu apertando os lábios. De novo. Pareceu ficar vermelha. Pela primeira vez.
A professora parou a fita logo no começo, perguntou para a sala: “Turma, o que ele quis dizer com ‘Como foi / nem sentiu / se era falso / ou fevereiro’ ?”. E olhou para ela. Pronunciou o nome dela em tom de interrogação. Ela ficou vermelha – era muito branquinha – e encolheu os ombros num misto de vergonha e pânico.
Era a minha deixa: “Ele quis perguntar a ela se o que tinha ficado era real.” A professora fez uma cara engraçada e me pediu para explicar melhor. Mandei brasa: “Amores de carnaval, que geralmente caem em fevereiro, têm uma aura intensa. Parecem mentira, e talvez fossem se ocorressem noutro mês qualquer.”
Ela, a professora, sorriu pra mim… “Boa explicação, gostei da ‘aura intensa’. Você está apaixonado?”
A sala implodiu em risos. Aquela era a senha para muitos risos numa sala do então Segundo Colegial. Olhei para Daniela. Estava vermelha, mas não do jeito que a professora deixara. Acho que fui bem, apesar da chacota da turma.
Foi quando Fernando levantou a mão. “Ele pode estar apaixonado, mas o Renato não quis cantar isso que ele disse não.”
A professora ergueu o cenho. Mandou que prosseguisse. Ele disse com firmeza: “A música se chama 1965. É claro que ele está falando da revolução de 31 de março. Então em março começou a mentira da Ditadura. Até fevereiro era verdade, depois tudo ficou mentira.”
A professora sorriu radiante e a sala o aplaudiu, sufocando minha voz que ainda tentou emitir um “Mas a Revolução foi em 64!”. Ninguém ouviu.
Olhei para Daniela. Ela parecia olhar para Fernando. Talvez não. Mas estava vermelha. De verdade.