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Mais médicos sim, mas não desse jeito

Antes de mais nada devo corrigir mais um ataque de modéstia do editor deste blog em seu texto mais recente. Ele disse que por não ser médico e estar há um tempo fora da área poderia ter uma opinião equivocada. Saibam os senhores que quando estudávamos medicina na UNICAMP, nosso editor participou ativamente de uma campanha do Centro Acadêmico para um novo currículo médico. Tivemos sucesso, e a raiz do currículo que a Faculdade até hoje segue saiu dali. Ele estava junto e criou o slogan e o logo da campanha: um simples “Quero aprender diferente”. Não, ele não se esqueceu disso, apenas teve um ataque de modéstia. Estou acostumado. São quase vinte anos vendo estes ataques…

Em relação ao programa “Mais médicos”, devo concordar com ele ao deplorar o aspecto obrigatório, pelo menos da forma com que foi apresentado pelo governo federal. Mas devo dizer, respeitosamente, que o Brasil precisa mesmo de mais médicos, e que uma estratégia para melhor distribuí-los passa também por uma forma de compulsoriedade. Eu explico.

Faltam médicos mesmo. Não só nos rincões do país, mas nas periferias das grandes cidades. Regiões como Sapopemba ou Parelheiros têm tanta carência de médicos como a Amazônia. Para melhor atender a estas carências, o governo poderia usar três alternativas, já consagradas, que precisariam apenas de alguns ajustes:

O corpo médico das Forças Armadas

O serviço militar é obrigatório há mais de cem anos no país e ninguém discute mais a legitimidade da lei. Se um jovem de 18 anos está na faculdade de medicina ele é automaticamente dispensado do serviço militar, mas quando se forma tem que prestar contas. A grande maioria dos sextanistas é dispensada novamente e fica quites com as Forças Armadas. Uma minoria de formandos é chamada e é obrigada a cumprir o serviço. Se tiver passado na prova de residência, sua vaga estará garantida para depois de findo o serviço. Sem contar que gozará do status de oficial militar para o resto da vida. O salário é bom e há provimento de casa e comida. É uma forma de garantir a presença de médicos de forma ordenada e planejada nas partes mais distantes do país, onde só o exército alcança. Sim, é obrigatório, mas as contrapartidas são interessantes. Sem contar que tem amparo legal. Tal estratégia pode facilmente ser aprimorada.

Um novo Projeto Rondon

O Brasil teve na década de 70 (ok… mais corretamente no final dos anos 60) uma geração de médicos que serviu ao país no Projeto Rondon. Era outro modelo, uma “clínica civil”, que se vê em países avançados como a Suécia (a Suécia também tem seu interiorzão…) e aqui foi uma bela ideia, mas infelizmente associada à ditadura militar. O Projeto Rondon sempre foi voluntário. Tivemos professores que nas aulas nos contavam de suas experiências como “rondonistas”. Basta reavivá-lo, a logística hoje é bem mais fácil. E eu sei que ele foi reavivado em 2005. Mas não nos mesmos moldes daquela época pioneira.

Readequação dos programas de Residência Médica

Uma proposta ainda não tentada, mas que valeria a pena, seria incluir as instituições que oferecem programas de Residência Médica. É polêmica, mas interessante: o primeiro ano de residência, de todas as especialidades, seria na atenção básica, em áreas carentes de médicos. As universidades se comprometeriam não só a enviar residentes, mas também preceptores. O programa se pautaria não apenas do atendimento monitorado, típico da residência, mas também do desenvolvimento de estratégias e parcerias para o incremento da atenção à saúde da região assistida.

E o que temos no momento?

São programas que já têm algum experimento. Não seriam necessários médicos estrangeiros, nem a criação de um arcabouço legal muito sofisticado. Apenas melhorar experiências que tivemos no passado e articular instituições que fariam tal tarefa com facilidade. Mas para isso, seria necessária vontade política para resolver os problemas.

Por enquanto temos só pirotecnia, ideias marqueteiras e um debate raso e emocional.

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Michelices

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