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O Sarriá

Era um senhor de quase 60 anos no dia daquele jogo. Fora inaugurado em 1923, com capacidade para dez mil torcedores. Reformas e mais reformas deram-lhe a conformação para caber pouco mais de 40 mil pagantes, com um aspecto sui generis, aparentando ter os lances de arquibancada colocados um sobre o outro. Foi por isso chamado de “La Bombonera Espanhola”. Abrigava os jogos do Espanyol, clube de Barcelona e ficava numa avenida de largo fluxo, ligando Barcelona ao distrito, outrora município de Sarriá, que acabara por nomear tanto a avenida como o estádio.

O estádio recebeu na Copa da Espanha, em 82, o grupo C da segunda fase. Ainda se estudava um regulamento para acolher os 24 clubes que a partir dali fariam parte da Copa – até então eram 16. As oitavas de final apareceriam na Copa seguinte, no México. Na Espanha, a primeira fase contou com seis grupos de 4 equipes, as duas melhores de cada grupo formariam 4 grupos de 3 na segunda fase e os vencedores de cada um destes quatro grupos iriam para as semifinais, estas por mata-mata.

Aquele grupo C teria a atual campeã do mundo, a Argentina, além da Itália e Brasil. Seis títulos mundiais à época num mesmo grupo. A organização da Copa achou que talvez faltasse força, apelo e tradição aos times deste grupo e achou por bem colocar os jogos na cidade do Camp Nou só que em outro estádio – sem ofensas ao Espanyol. O jogo entre Brasil e Itália registrou o maior público da história do Sarriá, consta que se amontoaram quase 45 mil pessoas para ver Paolo Rossi calar uma nação.

Muito já se disse daquela partida, desde que perdemos para nossa soberba, pois jogávamos pelo empate, até há quem veja erros crassos do Brasil nos três gols da Itália. Pode ter sido as duas coisas. Há quem diga que os passeios que demos em Rússia, Escócia, Nova Zelândia e Argentina teriam sido contra equipes fracas ou decadentes – caso da Argentina e o único adversário verdadeiro teria sido a Itália, que vinha de três empates na primeira fase, se classificando sobre Camarões no critério de gols a favor, pois tinha a mesma pontuação e saldo de gols que a equipe africana.

Palco de um marco de mudança de paradigma de nosso futebol, pois adquirimos talvez maior consciência tática depois dali, tanto que em 94 vencemos com nosso técnico dizendo que “o gol é um detalhe”. Palco da ressurreição da Itália para um título, seu terceiro, que não vencia desde 1938. Palco da queda da geração campeã argentina que na verdade era uma transição ou um amadurecimento necessário para Maradona levar sua seleção ao título na Copa seguinte.

Tanto simbolismo não resistiu à especulação imobiliária: o Estádio do Sarriá foi demolido em 97 para a construção de um condomínio. No local há um pequeno, discreto monumento, que lembra que ali houve um Estádio. Na paisagem, nem sombra do que era aquele caldeirão efervescente, que em 5 de junho de 1982 viu o futebol-arte sofrer um baque. As atuais avenidas mostram que o imaginário por mais forte que seja sempre ficará resguardado em nossas mentes e corações, mas a verdade é que a vida segue, o futebol muda e aqueles meninos de oito anos que choraram aquela derrota talvez ainda conseguirão ver com dor no coração, um magricelo vestindo azul, camisa 20, morto como o Estádio, correndo a vibrar por entre os carros, como fez no dia em que nos roubou o mundo.

Copa do Mundo de 1982

  • Local: Espanha
  • Período: 13/06 a 11/07/1982
  • Campeão: Itália; Vice: Alemanha Ocidental
  • Colocação do Brasil: 5º lugar
Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Michelices

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