Por conta de ter sido nosso primeiro título, de ter mostrado ao mundo Pelé e Garrincha, de ter sido o primeiro local onde a Jules Rimet foi erguida – por Belini, para mostrar aos fotógrafos, como já dissemos nesta série – a Copa da Suécia já mora em nossos corações desde sempre.
Foi também a primeira Copa exibida via satélite para alguns países da Europa, aliás pelo Sputnik III, ele mesmo, aproveitando que seria primeira Copa com a participação da União Soviética. Para os outros países – o que incluiu o Brasil – a solução foi adquirir os kinescópios filmados em 16mm. Ou seja, para nós ainda foi uma copa do mundo via rádio.
Os jogos foram, pela primeira vez, filmados na íntegra em película, já que não existia vídeo-tape. Foi também a primeira e única Copa onde o Reino Unido participou com todas as suas seleções: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Foi na Suécia que o francês Just Fontaine marcou 13 gols e se tornou o maior artilheiro de uma Copa, não superado até hoje.
A despeito da organização típica escandinava, a Copa de 58 teve um regulamento cujos critérios de desempate não foram definidos até hoje (ainda bem que não houve empate em pontos) sendo a única Copa que terminou com o regulamento em aberto. Caberia até um tapetão, mas quem contestaria uma Copa vencida por Gilmar, Djalma Santos, Zagallo, Nilton Santos, Didi, Vavá, Pelé e Garrincha?
Falando em organização, tivemos uma fora de campo que beirou a perfeição. O Chefe da Delegação, Paulo Machado de Carvalho, revelou-se fundamental em nossa saga na Suécia. Nem foi só pela milonga em torno da camisa azul que teríamos que usar na final. Machado teria dito que o azul nos traria sorte já que era a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida – “teria” dito pois muitos, incluindo Pelé, afirmam não terem ouvido esta preleção. Problema deles, que tivessem apurado os ouvidos para ouvirem o Dr. Paulo.
Ele foi fundamental não só na logística mas para garantir o ambiente interno em um time que se ainda não tinha campeões mundiais, já tinha suas prima-donas. Por exemplo, mediou a conversa entre Vavá e Didi com o técnico Vicente Feola, que não concebia Pelé (um menor de idade, que teria ido para ganhar experiência) e Garrincha (a personificação da indisciplina tática) jogando juntos. Dr. Paulo fez Feola acreditar que aquilo não seria uma maluquice, e aí o terceiro e decisivo jogo da primeira fase contra a União Soviética viu a Seleção sair jogando com Pelé e Garrincha. Aliás o Dr Paulo ordenou a todos que fingissem não ver as escapadas de Garrincha – não as de dentro de campo, mas as de fora dele – que nessas idas providenciou um filho sueco.
Homem de comunicação (era dono dos Grupos Record e Jovem Pan), Paulo Machado de Carvalho, despontou como dirigente sendo presidente do São Paulo. Seria também campeão como chefe da delegação no Chile mas na Suécia teve apenas uma falha: não mandou a relação da numeração das camisas dos jogadores para a organização e a Fifa se virou como pôde. Começou acertando com o goleiro Castilho, que recebeu a 1, mas ele era reserva. Gilmar, o titular, jogou com a 3. Zagallo jogou com a 7, que seria de Garrincha, que jogou com a 11 que seria de Zagallo. Didi, já dono absoluto da 8, teve que se contentar com a 6, roubada de Nilton Santos, que jogou com a 12.
O destino, ou o desconhecido funcionário da FIFA, fez com que o meia-direita reserva, a quem caberia talvez uma 18 da vida, recebesse a camisa 10. Pelé nunca jogara com este número às costas, mas também nunca o deixaria, e a camisa 10 passou a ser dali para frente sinônimo de jogador fora-de-série no mundo inteiro.
O Doutor Paulo, desta forma, nos provou o paradoxo da extrema competência: o de acertar em cheio até quando comete um erro. Recebeu como homenagem, ainda em vida, o nome oficial do estádio do Pacaembu, que hoje abriga também o Museu do Futebol. Só não tem abrigado jogos de futebol, por determinação da Prefeitura, o que só aconteceu, com toda certeza por que o “Marechal da Vitória” não pôde lutar mais esta batalha.