A coluna Sem Pipoca começa uma série para celebrar os Clássicos. “Pódio Sem Pipoca” vai trazer sempre três Clássicos do Cinema, separados por décadas. Assim teremos três filmes das décadas de 40, 50, 60 e 70 – cada uma em uma coluna.
Uma explicação necessária
Cumpre dizer que este espaço não se propõe a fazer crítica de Cinema, nunca foi essa a pretensão. Talvez até a alcunha “cinéfilo” nos pareça inadequada. A ideia, como sempre, é recomendar filmes e dizer por que vale a pena assisti-los. Os três filmes selecionados por década podem não ser os melhores, nem merecerão lugares num pódio: chegaram empatados nos méritos e aqui serão dispostos por ordem de “idade”.
Mas serão grandes clássicos, que fizeram e farão história e por conta de tudo o que representam estarão aqui. Ao final colocamos um “Tapetão”, onde citamos mais três filmes que poderiam estar no pódio mas não estão e você pode recorrer nos comentários ou até lembrar outros. Mais que polemizar sobre um eventual ranking, a gente só quer sugerir estes Clássicos para você.
A década de 40
Guerra, pós Guerra, mundo esfacelado, Cinema usado como propaganda mas também como reflexão e vetor de esperança. Os exemplos aqui citados mostram que a Arte sempre terá seu espaço como antena de seu tempo e que entretenimento não quer dizer alienação. No Pódio Sem Pipoca estão:
Casablanca
Em plena guerra, com a França dominada pelos nazistas, um café na cidade marroquina de Casablanca atrai gente de toda parte e de todos os lados do conflito. Seu dono, Ricky, é um americano cético, desiludido com o mundo – ainda que mantenha resquícios de idealismo.
Um belo dia um ladrãozinho confia a ele um pacote com dois salvo-condutos com os quais membros da Resistência ao nazismo conseguiriam chegar à Lisboa a partir de Casablanca e de lá fugirem de vez para os Estados Unidos. Estes salvo-condutos figuram entre as forçações de barra mais brabas da história do cinema.
Que diacho de nazista ia respeitar um troço daquele? Deixa para lá. O fato é que um figurão da resistência tcheca chega no Café de Ricky para comprar o par de salvo-condutos.
Tudo corria bem até Ricky perceber que a esposa do sujeito era o amor de sua vida e causa de sua amargura. O perrengue se dá porque Ricky não só se recusa a vender os documentos como exige que a moça fuja com ele. Ainda há seres humanos que ignoram o final, o que nem é ruim de todo porque esta é uma oportunidade de assistir.
Humphrey Bogart parece fazer uma cara só – e fumar – durante o filme todo. Mas quem foi deixado por Ingrid Bergman tem o direito de fazer aquela cara pelo resto da vida. Ah, a frase “Play it again, Sam” nunca é dita no filme.
A felicidade não se compra
Você já deve ter visto a história de um sujeito rico, porém infeliz, que vai cometer o suicídio na época do Natal, porém é impedido por um anjo. Ok. Mas nunca esta história foi contada de maneira tão tocante, terna e bonita como em “A felicidade não se compra”. A Segunda Guerra também aparece. Na verdade, já havia terminado – o filme é de 46 – na forma de uma das bondades feita pelo personagem principal, George.
Ele salvou o irmão de se afogar quando eram garotos e por isso ficou surdo de um ouvido e por isso não pôde ir à Guerra. Mas o irmão salvo foi convocado e se tornou um herói no combate. Essas e outras ações bondosas são mostradas pelo Anjo que desce para dissuadi-lo do suicídio.
Mas Clarence (o Anjo) se utiliza de um estratagema interessante: ele mostra como seria o mundo se George não tivesse feito tudo o que fez até fazer com que o benfeitor se sinta realmente vivendo na realidade paralela e daí tenha noção da bobagem que está para fazer. Frank Capra fez um filme soberbo, que consegue passar longe do clichê. Até da musiquinha do final a gente gosta.
Ladrões de bicicleta
A Itália sai da guerra como perdedora, até de nós apanhou. Um país caótico, destroçado, um povo pobre e sem perspectiva. Neste contexto, Vittorio de Sica faz um filme com pessoas “comuns” promovidas por ele a atores.
Esta verossimilhança radical confere ao filme uma crueza particular mas exposta com lirismo e beleza. Numa Itália aos pedaços, um chefe de família, Antonio, procura desesperadamente por emprego – ele e a torcida do Milan, da Inter, do Roma e etc. Até que tem a sorte de arranjar um: o de colador de cartazes.
Porém ele precisa ter uma bicicleta para poder trabalhar. Ele não tem onde cair morto, quanto mais uma bicicleta. A esposa penhora todo o enxoval (após dizer “Não precisamos dormir em lençóis, precisamos?”) e assim ele consegue a bicicleta.
Tudo ia bem até que aparece um ladrão que lhe rouba a dita e ele fica sem poder trabalhar. Segue daí uma busca pela cidade a fim de encontrar a bike, mas nada de encontrá-la. O filme mostra ao que o ser humano é reduzido em tempos de miséria moral e material, sendo o fundo do poço captado pelo olhar do protagonista em meio à balbúrdia da cidade.
O final, onde Antonio encontra sua redenção possível no filho pequeno, é uma das coisas mais tristes que já filmaram mas nem por isso é apelativo. Sim, não há um roubo apenas de bicicleta e o título “Ladrões…” faz sentido.
Serviço
“Casablanca” (Casablanca, EUA 1942) Direção Michael Curtiz. Com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains
“A felicidade não se compra” (It’s a wonderful life, EUA 1946) Direção: Frank Capra. Com James Stewart, Donna Reed, Henry Travers
“Ladrões de Bicicleta” (Ladri di biciclette, Itália 1948) Direção Vittorio de Sica. Com Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola
Tapetão
Cidadão Kane, O grande ditador e Rio Vermelho. Fica a critério do leitor opinar sobre isso.