O sorteio já foi suspeito. Eram quatro potes com oito seleções cada, e cada pote representava o ranqueamento das seleções que lá estavam. O Brasil, atual campeão, estava no pote dos cabeças-de-chave. Mas por um critério até então inédito e depois nunca repetido, o Brasil caiu no grupo A sob a argumentação de que era o atual campeão do mundo. Depois a França cairia no Grupo C, e nem precisava ser muito ligado para perceber que pela sequência de jogos, Brasil e França se encontrariam só na final. Michel Platini, chefe do Comitê Organizador, disse em uma entrevista vinte anos depois que a ideia era essa mesma, e que todo mundo sabe que todo mundo faz isso, então por que eles não fariam? Enfim, nem foi a única presepada de Platini, cujo brilhantismo no campo moral não foi o mesmo do campo da bola.
Foi a primeira Copa onde houve um “gol de ouro”, nome mais leve do que o anterior, “morte súbita”. O francês Blanc marcou na prorrogação e assim resolveu o difícil jogo nas oitavas entre os anfitriões e o Paraguai, que contava com o bom Chilavert no gol. Aliás a França foi indo matando a francesada do coração. Depois desta epopeia com os paraguaios, nas quartas teve que esperar os pênaltis para eliminar a Itália, que assim sairia de sua terceira copa seguida eliminada nos pênaltis. Os Bleus ainda venceriam na semi a sensação da Copa, a Croácia – que já havia eliminado os cabeça-de-chave Romênia e Alemanha e faria o artilheiro do torneio, Suker – tudo isso em sua primeira Copa, pois antes era parte da Iugoslávia.
O Brasil veio com Zagallo – Parreira foi se aventurar treinando a Arábia Saudita e conseguiu o feito de ser o primeiro técnico a ser demitido durante uma copa – após perder de 1×0 para a Dinamarca e de 4×0 para a França. Resultados ok, dadas as circunstâncias mas os sheiks não pensaram assim. De sua parte o Brasil vinha normal, ganhando da Escócia e depois do Marrocos, mas caindo de 2×1 diante da Noruega. Empatávamos até os 43 do segundo tempo, quando Júnior Baiano se lembrou que era Júnior Baiano e puxou a camisa do norueguês Andre Flo. Mantivemos a primeira colocação do grupo mas não precisava daquilo. Para piorar o clima, naquele 23 de junho morria precocemente Leandro, da dupla com Leonardo, comovendo o país.
Um momento emocionante foi o jogo entre Estados Unidos e Irã, cercado de tensões diplomáticas, mas dentro de campo foi tudo limpo, começando com a célebre foto com os dois times abraçados. O Irã venceu por 2×1 – aliás aquele time norte-americano era uma draga.
Nos mata-mata despachamos o Chile, depois a Dinamarca com os irmãos Michael e Brian Laudrup nos dando um trabalhinho mas passamos e veio a semi contra a Holanda. Jogaço, como foi na Copa anterior, mas teve que ir para os pênaltis. Ali Zagallo foi pleno, lembrando a mística da Amarelinha, que venceu de novo a Laranjinha e estávamos na final.
É desnecessário dizer que a França venceria a Seleção das Galáxias naquele jogo, e venceria qualquer time que se arranjasse para desafiá-la – pelo menos naquele dia. Zidane, que estava devendo a Copa inteira, voou baixo e liderou seu time, marcando seus dois gols na Copa assinalando com Petit um incontestável 3×0.
Para alguns nem tão incontestável assim…
Ronaldo, já um baluarte daquele time, mas ainda com poucos 21 anos, teve o que se entendeu ser um ataque conversivo, relacionado ao estresse. Não foi bem uma convulsão. A Seleção se desconcentrou e diante da insistência do próprio Ronaldo, Zagallo, que já divulgava a presença de Edmundo como substituto, aceitou a presença daquele que ainda era chamado de Ronaldinho.
Aquela derrota, justa, não desceu bem por conta desse episódio. Eram tempos da Internet discada, muito lenta para divulgar fake News. O que se viu foi uma folha de papel que correu o Brasil inteiro, cópias apareciam de todos os lados, e nela a perfeita explicação para a derrota: o Brasil vendera a Copa para a França , que nos deixaria vencer a seguinte, e na transação houve dinheiro da Nike. A versão tem defensores até hoje, e a conspiração piorou com a péssima campanha dos franceses que caíram vergonhosamente na primeira fase em 2002.
Mas ali muitos conheciam a Teoria da Conspiração orquestrada, massificada, passada de mão em mão num texto numa folha escrita, com a mesma velocidade de um meme de rede social hoje, cujo título chamativo era “Se vocês soubessem o que aconteceu, ficariam enojados.”
Copa do Mundo de 1998
- Sede: França
- Período: 10/06/98 a 12/07/98
- Campeão: França; Vice: Brasil