Quando os dois entraram no consultório eu entendi que eram casados. Até então atendia aos dois sem saber desta informação. Achei por bem dizer a ambos o que já sabiam: “Vocês são casados?”
“Por enquanto” – a esposa disse bem nervosa. “Eu te falei que era traída, né? Ele não falou que traiu?”
“O que ele me disse é sigilo, Verônica.” (Vamos combinar de chamá-la assim.)
“Homens…”, ela murmurou.
“Até porque eu não traí ninguém”, emendou Celso – (assim chamado por nós para preservá-lo.)
“Puta que pariu, até quando vai negar isso?” Ela elevou a voz. Mantive-me passivo. “Explica aí ao doutor então, já que para mim não vai rolar mesmo!”
Pontuei o seguinte: “Me respondam uma coisa: por que resolveram passar juntos hoje? Não precisa, a gente pode manter como era.”
“Nós combinamos assim. Achamos melhor, para tentar acabar com essa dúvida dela.”
“Dúvida nada! Eu tenho certeza!”
“Verônica”, me adiantei, “já que aqui estamos todos, vamos ouvir o Celso?” Ela concordou com uma careta. Olhamos para ele.
“Eu tinha uma funcionária de confiança na firma, Doutor.”
“De confiança e de cama!”
“Verônica, tente não interromper, por favor!”
“Desculpa Doutor.”
“Essa funcionária também manejava a contabilidade. E fazia algumas movimentações para… o senhor sabe.”
“Ele pode saber mas eu não sei!” Verônica quase cai da cadeira. “Eu era… eu sou sócia daquela pocilga! Eu tenho que saber tudo! Doutor, o senhor está vendo?”
“Celso… você está falando de movimentações para, se me permite… pagar menos imposto, é isso?”
“Exatamente, Doutor.”
“O cara é cheio de rôlo. Que exemplo para os filhos, hein?”
“Verônica, se o problema for esse, o Celso que se vire com o governo. Pode não ser certo, mas…”
“Nãããoo! Isso aí, ó, fichinha! Eu tô vendo que ele não vai contar nada, então conto eu, olha só…”
“Cheega, Verônica! Deixa eu falar, porra!” O grito de Celso deixou a esposa com cara resignada, e com o lábio trêmulo. Arregalei os olhos para ele. Fiz um gesto para que ele continuasse.
“Aí um belo dia ela pediu a conta. Arranjou um namorado, sei lá. Eu nunca tive nada com ela fora o trabalho não, Doutor. Mas aí ela… Ela ameaçou que ia contar tudo, ia contar das… das movimentações. E aí a gente fez um acordo.”
“Sujeira, Doutor. Sujeira da grossa. Vai vendo…” Verônica estava com os olhos marejados. Celso retomou.
“Ela pediu um apartamento para sair calada. Eu tive que aceitar.” Verônica se levantou: “E a gente mora no mesmo apartamento para onde fomos depois de casar, Doutor. Que foi do meu pai, dado pelo meu avô para ele. Tá caindo os pedaços, o negócio chega a feder! E ele vai e me compra um apartamento para a piranha! O senhor faz ideia do que é isso? Meu cartão, Doutor, de crédito, ele deixou de pagar um tempo, meu nome ficou sujo, eu não trabalho para criar nossos filhos e cuidar da casa, dei meu nome para ele abrir a empresa e ele faz isso? É ou não é um canalha, só me fala, pelo amor de Deus, Doutor, é ou não é um canalha?”
Tive a certeza que a sala de espera inteira ouvia os gritos. Celso respirou fundo e pontuou: “Mas eu não tive nada com aquela mulher. Eu não tive nada. Eu não traí minha esposa.”
Olhei fixamente para ele, depois de um silêncio breve, mas pesado. “Celso. Às vezes ser canalha não implica necessariamente em ter um caso fora do casamento. Há outras formas de traição.”
Ela arregalou os olhos para mim esboçando um sorriso para só então se recostar na poltrona. Ele a olhou de lado e pareceu também soltar o corpo. Foi ele que se dirigiu a mim primeiro: “O senhor pode fazer a minha receita?”
“Claro.” E entreguei a ele depois de carimbar. Nem perguntei a Verônica se haveria alguma alteração. Entreguei a receita dela. Antes de levantarmos, perguntei com medo da resposta: “Retorno em dois meses para os dois?”
“Certo”, confirmou Celso.
Já de pé com o marido, Verônica perguntou: “Podemos vir os dois juntos?” Celso fez um gesto concordando.
“Claro! Como quiserem!”, respondi abrindo os braços.
E saíram. De mãos dadas.