Não é usual começar um texto com uma “Nota do Editor”, mas vamos lá… o texto é uma republicação do site original do UBQ. Nós publicamos isso aqui lá no distante 23/04/2014. Este foi o texto de estreia no Júnior Ferreira aqui no UBQ e ainda não existia a coluna “Disco da Semana” por aqui. De qualquer forma, é bom termos o registro histórico e a devida ressalva para não criarmos a dúvida. Dito isso, vamos falar sobre música?
Um garimpeiro musical por aqui
Sou o novato aqui. Meu nome é Junior Ferreira e fui convidado pelo meu grande brother, o Ricardo Marques pra escrever aqui pro UBQ. Como ele me deu carta branca pra que eu escrevesse sobre o que me viesse a veneta, resolvi escrever sobre algo que me fascina e norteia a minha vida desde a mais tenra idade, a melhor companhia que qualquer ser pensante, e “sentinte” (neologismos, sempre!!!), possa querer: a MÚSICA.
E sim… será o eu gosto musical. Pois, por se tratar do MEU gosto, considero bom pacas, mas sempre haverão controvérsias, e que assim seja, pois senão a mesa redonda de filósofos de boteco perderia um dos grandes assuntos. E é bom avisar desde já que ele não é dos mais comuns, mesmo se tratando de rock’n’roll. Pode parecer clichê falar de rock, mas tenho verdadeira paixão por coisas que ainda não foram descobertas, sim, sou um neófilo, ou como prefiro chamar, um garimpeiro musical.
Rock’n’Roll na… Bielorrússia?
Pois é… falei anteriormente que meu gosto não é dos mais comuns e falo em seguida que gosto de rock. E cadê a esquisitice? Milhões de pessoas gostam de rock, e aí? Tudo bem… eu concordo plenamente, mas quantos dos seus amigos que escutam rock, tem a paciência de ficar caçando coisas que provavelmente ninguém conhece e se empolgar como criança ao saber que no outro lado do mundo, podemos encontrar coisas boas?
Então… lá na longínqua Bielorrússia (ou Belarus, no idioma deles), existe uma cena roqueira da melhor qualidade, e que por lá eles fazem o melhor post-punk de que temos notícia? Pois é, eu disse que poderia soar bizarro aos ouvidos alheios. Inclusive pra mim, a princípio, soou bizarro, banda de rock da Bielorrússia? Vocês estão de brincadeira!!! Mas a curiosidade sempre fala mais alto e arrisquei. E quer saber? Foi uma cesta de 3 pontos do meio da quadra a um segundo do fim do jogo… Chuá!!!
A banda Akute
A primeira banda de lá a ganhar a minha atenção foi o Akute (o pior é falar da banda pros amigos que te olham com aquela cara de “Você bebeu?” e nem saber se a pronúncia do nome como ando dizendo está correta. Pronuncio do jeito que lemos em português mesmo). A banda é oriunda da cidade de Mogilev e que conta em sua formação com: Raman Žyharau (baixo e vocais), Stas Mytnik (voz e guitarra), Pavel Filatov (bateria).
O Akute é uma clássica banda de post-punk. Ao ouvi-los eu me senti naquela Londres do início dos anos 80, com aquela safra magnífica de bandas: Joy Division, The Cure, Wire, Echo & the Bunnymen, e tantas outras. Uma sonoridade revisitada com um talento sensacional que faz com que o som não soe datado, mesmo estando óbvias as referências.
No caso do Akute, notamos claramente a influência gigantesca do Joy Division, uma sonoridade mais soturna, com bateria dançante, baixo bem marcado e guitarras criativas e barulhentas. A voz, é um caso à parte. Primeiro por cantarem em seu idioma pátrio, o que torna impossível cantar junto. Em segundo lugar, porque provavelmente eles colocam alguma coisa na água daquele povo, ou mais provavelmente, a quantidade de vodka que consomem por lá, faz com que todos fiquem com um timbre parecido com o do Ian Curtis (vocalista do Joy Division, morto em 1980).
O álbum “Nie Isnuje”
A banda tem dois discos lançados. O primeiro se chama “Dzievacki i Kosmas”, de 2011. Já o segundo e mais recente se chama “Nie isnuje”, de 2012. E aliás, este foi o disco que mudou a minha opinião sobre o rock feito do outro lado do mundo. E que grata surpresa!
O álbum começa incendiário, com “Krou by vada”, faixa que já coloca os saudosistas pra chacoalharem o esqueleto no baile, e que ao mesmo tempo consegue ser dançante e vigorosa, com um final épico. Conforme as faixas vão passando o disco se mostra ao mesmo tempo retrô e moderno. Não ouço só passado no som dos caras, ouço resquícios de coisas atuais como “The Killers” em “Jany pad snieham”.
Talvez o resquício mais oitentista e descaradamente retrô esteja em “Špital”. Mesmo com alguns elementos eletrônicos e modernos, o som dos caras é calcado na década de 80 e isso, em momento algum soa pejorativo, é uma das maiores virtudes dos caras. A banda se estrutura e concebe algo novo baseando-se em algo que já tinha sido feito anteriormente. Provavelmente quando nenhum dos caras da banda era nascido.
Fica difícil apenas conceituar, é muito mais fácil deixar a iguaria pra que vocês apreciem.
A banda The Blackmail
O Blackmail foi outra banda que chamou minha atenção. E pelo menos aqui eu sei que a pronúncia do nome está correta. Não soam tão estranhos quanto o Akute, pois cantam em inglês. A banda tem sua origem na cidade de Minsk e é formada por: Maxim Kulsha (voz e guitarra), Yurii Skopets (guitarra), Alexandr Sinica (baixo) e Arthur Granik (bateria). Soam mais modernos, fazem o chamado “post-punk revival”, o mesmo de algumas bandas estadunidenses do começo dos anos 2000, como Interpol e She Wants Revenge. Embora as influencias sejam as mesmas dos estadunidenses, o Blackmail tem uma qualidade enorme e faz um som cheio de identidade.
Até o momento, são dois discos lançados, o “Blackmail EP” de 2009 e o “New Ritual” de 2011. Ambos são de um bom gosto ímpar. Bem produzidos, com uma sonoridade que foge totalmente do óbvio, e que provavelmente teria estourado no mundo todo, caso fossem estadunidenses ou ingleses. Mas a cena bielorrussa ainda não foi descoberta pelo grande público consumidor de rock’n’roll, o que é uma pena. Pretensões à parte, quem sabe a gente não esteja ajudando a mudar essa história?
O EP “New Ritual”
No caso, foi o EP de 2009 que me ganhou. Mais curto, mais coeso, mais cru, provavelmente pela inexperiência da banda que evoluiu de um disco pra outro. O álbum “New Ritual” é melhor produzido, mas me amarro na crueza do EP. Vejo nele lampejos de Interpol, principalmente na voz.
Suas músicas tem um clima bem soturno, as guitarras são muito bem trabalhadas que em algumas vezes chegam a lembrar o U2 do começo, com vários harmônicos como em “Captain of Lonely Heart” . O baixo tem um timbre extremamente grave, e isso é lindo!!! A bateria é minimalista, sem comprometer a qualidade do som. Em “Carnival” podemos notar a maior semelhança com as bandas estadunidenses e isso não demérito algum. Nada soa como cópia ou como releitura, mostra apenas que os bielorrussos estavam antenados com o que ocorria musicalmente à época e por isso, ponto pra eles. Estavam sim na hora certa, mas como o local não tinha visibilidade, passaram despercebidos, uma pena, pois são uma banda sensacional.
A banda The Praga
Dessa primeira leva de descobertas bielorrussas, “The Praga” é o nossa último achado musical . A banda também canta em inglês, mas soa bem mais barulhenta que as outras duas bandas. Ainda assim soam post-punk pra caramba. Também original de Minsk, tem em sua formação: Denis (voz e guitarra), Pavel (baixo e voz) e Anton (bateria).
Quanto aos lançamentos, a banda tem alguns singles lançados de maneira isolada. Um deles, que na verdade é um maxi-single de 3 músicas chamado “My Summer”, me chamou muito a atenção. Com uma voz cavernosa de tão soturna que é, mas a sonoridade é de uma urgência, de um desespero tão grande que tem horas que chega a soar claustrofóbico. E essa é a maior qualidade deste single. De tudo que mostrei aqui, o “The Praga” é a mais diferente sonoramente falando. Faz um som muito mais puxado pro shoegaze do que para o post-punk, embora sejam claros todos os clichês do estilo no som dos caras: guitarras trabalhadas e criativas, baixo cadenciado, com ritmo e peso, a bateria minimalista, além da voz grave.
O “Mega” Single “My Summer”
Aqui, tudo é feito no capricho. A produção é primorosa, a construção e execução das músicas é de um bom gosto fora do comum, tudo soa bem aos ouvidos. A abertura com “My Summer” é o que mais se aproxima do post-punk raiz, com traços de Joy Division no andamento e na voz. Mas a nova geração aparece por aqui com uma bateria dançante que aparece em algumas partes. Mesmo não sendo tão post-punk como as outras duas bandas, ainda é um bocado post-punk. É complicado explicar, mas acredite… faz sentido.
A segunda faixa, “Divorce”, é a mais oitentista do disco. Guitarras cheias de efeitos, soando bem melódica no começo, até explodir em distorção no que costumamos chamar de refrão. Mesmo assim, a voz continua pomposa e soturna, como se nada tivesse acontecido e a música continuasse na calmaria, e não no tsunami que se transforma. E essa dualidade é a cereja do bolo, torna essa música surpreendente. Boa demais! A última faixa, “Empty Rooms”, também com instrumental calcado nos anos 80 caberia numa boa, no repertório de quaisquer boas bandas da época, o que faz com que sejam ótimos representantes do que se propõem a fazer, o fazem muito bem feito.
Logo menos tem mais?
Claro que existem mais bandas na cena musical bielorrussa, mas nesse primeiro momento, foram essas três que me chamaram mais a atenção. Conforme forem surgindo outras coisas boas na Bielorrússia, ou em qualquer outro lugar, compartilho aqui com vocês. Espero que se divirtam e se surpreendam. Boa viagem com os roqueiros bielorrussos.
Logo menos, tem mais!!!