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Deus

Nada contra rezar, toda hora cabe. Dureza é rezar para ganhar um jogo. Rezar seja para quem for – se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado, como nos lembrou Neném Prancha (ou João Saldanha, como atestam muitos) – por si só não resolve a vida em campo. Nem fora dele, pois os colombianos devem ter acendido lá suas velas para honrar as exigências da FIFA após serem escolhidos para a sede da Copa de 1986. Aos, digamos, 10 ou 15 do segundo tempo (não foi tão em cima da hora) eles entregaram os jogos. Todos. Descobriram que não teriam dinheiro para fazer uma Copa. A FIFA recorreu a quem podia, sendo salva pelo México, que 16 anos depois encarou de novo uma Copa.

Eram 24 seleções. Melhor dizendo, 23 seleções. E Maradona. Foi a estreia das oitavas já em mata-mata, classificavam os dois melhores dos seis grupos da primeira fase e havia uma forma para calcular os melhores quatro terceiros lugares, era facinho. Foi também a Copa em que a Rede Globo trouxe o “Araken, o showman”, interpretado por Barrinhos Freire, que aparecia em esquetes durante a Copa e depois das vitórias do Brasil. O personagem durou até um pouco depois e chegou a fazer a contagem regressiva do canal na virada daquele ano.

Na primeira fase ocorreram algumas coisas esquisitas. No grupo de Portugal que voltava às Copas depois da magistral campanha de 66, o primeiro lugar coube à seleção do Marrocos. Na verdade todo mundo do grupo teve uma vitória só, mas Marrocos não perdeu de ninguém. Inglaterra e Polônia passaram adiante. Portugal venceu a Inglaterra na primeira partida mas perdeu as outras. Há quem diga que poderiam ter feito melhor figura se não tivessem… feito uma greve. Ficaram sem treinar o resto da Copa por problemas de patrocínio e acerto de pagamentos, enfim, dinheiro como sempre. Em outro grupo a Dinamarca surgia avassaladora, vencendo seleções da tradição da Alemanha e do Uruguai – neste mandaram um 6×1, além da Escócia. Mereceram até um Globo Repórter na época, para serem fuzilados por 5×1 pela Espanha nas oitavas.

O Brasil se preparou com Evaristo de Macedo, que teve um chilique, foi só isso mesmo, e saiu nas eliminatórias. Telê Santana reassumiu e logo conheceu a malandragem de Renato Gaúcho. Na verdade foi Renato que conheceu Telê, sendo cortado prestes à ida para a Copa por chegar com uns uísques a mais de madrugada na concentração. Levou o lateral direito Leandro junto, que também foi cortado, apesar de ser “réu primário”. No lugar de Leandro veio Josimar, obscuro lateral do Botafogo que teve uma atuação vibrante para depois da Copa sumir de novo. Nas quartas contra a França, Careca abriu o placar, mas depois ninguém marcou Platini e ele empatou para os Bleus. Daí praticamente o partiram ao meio, tanto que perdeu seu pênalti na disputa do desempate. Paciência é do jogo. Lá pelas tantas um pênalti para o Brasil. Faríamos 2×1. Eis que se dá o canto do cisne para aquela Geração. Zico, que tinha acabado de entrar, foi bater. A gente já gritava gol quando viu que o goleiro francês, Bats defendeu. Na disputa de pênaltis depois da prorrogação foi a vez de Sócrates perder, terminando o enterro que começou no Sarriá, quatro anos antes.

A Argentina levou um time sem a pegada das duas Copas anteriores, porém levou Maradona. Na primeira fase ele marcou um gol só, no empate de 1×1 contra a Itália. Nas oitavas deu assistência, e na semifinal mandou os dois gols contra a Bélgica. Mas antes disso, nas quartas… Maradona driblou seis ingleses antes de empurrar para a rede, no que é conhecido como o “gol do século”. Mas no primeiro gol ele sobe para cabecear. Sua mão porém chega antes e dá um soco na bola e entra. O juiz valida, para desespero dos ingleses. Maradona negou o resto da vida que tinha sido com a mão. Pelo menos não com a mão dele. E pela primeira e certamente a última vez, Deus, com sua mão, determinou um resultado de um jogo. A Argentina venceria a Alemanha na final, apitada pelo brasileiro Romualdo Arppi Filho e seria bicampeã.

As orações de homens comuns nunca atrairão o Criador a um campo de futebol. Mas a um semi-deus, o Senhor certamente não negaria um auxílio. Depois cobrou caro, entregando o mortal Diego Armando Maradona à própria desdita. Mas essa é outra história.

Copa do Mundo de 1986

  • Sede: México
  • Período: 31/05 a 29/06/1986
  • Campeão: Argentina ; Vice: Alemanha Ocidental
  • Colocação do Brasil: 5º lugar
Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

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