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Mattheus

Se houvesse um dicionário onde as palavras fossem definidas por imagens, uma candidata para definir o verbete “drible”, certamente seria a finta que Bebeto deu no goleiro da Holanda nas quartas de final da Copa de 94. A bola vinha da defesa em direção a Romário, que voltava do impedimento. O Dono da Copa, marotamente, fingiu que não era com ele, e Bebeto aproveitou a compreensível hesitação de dois holandeses passando por entre eles, indo em direção ao goleiro De Goey. Este se lançou em um semi-carrinho para a bola, e não fosse o drible seco de Bebeto teria lhe desarmado. Bebeto ainda acarinhou a bola para melhor chutá-la para as redes, numa frieza impressionante, frieza esta que deu lugar a uma comemoração tocante. Dois dias antes nascera Mattheus, o caçula de três filhos do atacante.

E Bebeto resolveu embalar o filho que ainda não conhecia, no que foi acompanhado por Romário e Mazinho.

A Copa de 94 redefiniu o “Padrão Fifa”, criado desde 1930. Os estádios tinham – pasmem – cadeiras de plástico que recobriam o cimento frio, cobertura anti-sol e chuva (teve um estádio com teto retrátil em Pontiac, região de Detroit, onde o Brasil empatou com a Suécia na primeira fase), lanchonetes e banheiros bem cuidados, iluminação sem sombras, enfim uma mostra de como alinhar esporte com puro entretenimento. Desde então a Fifa exige este grau de conforto, encontrado nos Estádios de Futebol Americano, para seus Mundiais.

Foi a primeira Copa em que nenhum país do Reino Unido foi classificado. A primeira Copa da Alemanha reunificada, primeira copa da Arábia Saudita, Grécia e Nigéria. Nas Eliminatórias a Colômbia aprontou um 5×0 para cima da Argentina, em pleno Monumental de Nuñes, levando os Hermanos a disputar a repescagem contra a Austrália. Maradona, tido como praticamente aposentado, foi convocado para esse jogo e para a Copa, onde foi pego num controverso teste de doping. A Colômbia de sua parte, só venceu a Suíça em seu grupo, perdendo para a boa seleção da Romênia, do craque Hagi, e dos Estados Unidos com um gol contra do zagueiro Escobar, que morreria numa briga de bar um tempo depois.

Outra Seleção-Surpresa foi a Bulgária, em sua sexta participação sem nenhuma vitória até ali. Nas Eliminatórias despachou a França e na Copa se classificou em segundo no seu grupo, vencendo a Argentina. Nas oitavas ganhou do México nos pênaltis, da Alemanha nas quartas e parou na semifinal diante da Itália, consagrando sua melhor geração até hoje, liderada por Hristo Stoichkov.

O Brasil foi indo com a impressão de cozinhar o galo. Um futebol pragmático, de muita posse de bola, onde o treinador, Carlos Alberto Parreira, dizia ser o gol “um detalhe”. Eram dez para Romário, talvez na falta de melhor material humano. Raí, capitão do time e único meia de criação de ofício, viu seu futebol sumir e foi parar no banco, onde ficaria o resto da Copa. Mazinho entrou em seu lugar e Dunga assumiu a faixa de Capitão. Há quem diga que Parreira queria mais “peso” naquele meio campo e a leveza de Raí, por vezes muito próximo de Romário e Bebeto o teria incomodado.

A final, jogada no desumano calor do meio-dia em Los Angeles, foi disputada entre dois técnicos que nunca haviam jogado futebol: Parreira daqui e Arrigo Sachi de lá. Não é exagero dizer que o Milan de Sacchi foi na época o que foi um tempinho atrás o Barcelona de Guardiola. Ele chegou à Copa tarimbado. Mas sua seleção tinha uma proposta de jogo parecida com a nossa. Não foi surpreendente o final em 0X0, levando para os pênaltis. Sempre uma epopeia que evidencia heróis e vilões, lendas como Baresi e Baggio erraram os seus, além de Massaro. Bastou ao Brasil marcar com Romário, Branco e Dunga – Márcio Santos errou a primeira cobrança e Bebeto nem precisou bater.

Romário terminou como craque da Copa, com cinco gols e aquela assistência para Bebeto, contra os Estados Unidos – a do “eu te amo”, de Bebeto para ele. Naquele jogo, disputado na data nacional dos anfitriões, 04 de julho, o lateral Leonardo se encheu da marcação do norte americano Tab Ramos e lhe desferiu uma cotovelada, abrindo espaço para a entrada de Branco contra a Holanda. Considerado veterano demais para a posição, ele comemorou o gol de desempate apontando para Parreira que apostara nele.

Dunga levantava a taça de tetracampeão no Rose Bowl xingando Deus e o mundo – no caso a imprensa. Talvez um maior comedimento coubesse ali, mas o entendemos. Dunga se redimiria das acusações de cintura dura em 90, dentre outras dando a assistência a Romário no gol contra Camarões. A imagem de Bebeto embalando Mattheus, na época um bebê de dois dias de idade, nos comove até hoje. Mattheus é jogador de futebol. Talvez, por ditames desta vida, nunca dispute uma Copa, pelo menos como atleta. Mas ficou na história dos Mundiais, ainda que naquele momento não fizesse ideia do que acontecia.

Copa do Mundo de 1994

  • Sede: Estados Unidos
  • Período: 17/06 a 17/07/1994
  • Campeão: Brasil; Vice: Itália
Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

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