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O brilho de mais de um milhão de sóis

Caetano cantava na abertura do filme “Tieta do Agreste”, de Cacá Diegues: “Existe alguém em nós (…) que brilha mais do que um milhão de sóis e que a escuridão conhece também”.

Tomara que não vire aulinha de interpretação de texto, tenham paciência comigo. Mas o poeta baiano nos adverte que todos podemos ser brilhantes, e que a razão de todos não sermos não é a falta de brilho, mas nossa reação perante à escuridão. Todos nós temos um “alguém” muito, muito brilhante, mas este alguém, esta parte de nós, conhece a escuridão em todo seu tenebroso esplendor. A escuridão pode ser uma infância pobre, um espectro autista, um deslocamento de joelho, o alcoolismo, o preconceito racial, e até o tabagismo. Há quem os supere, há os que convivem com uma ou mais destas escuridões, mas há os que sucumbem a elas, no caso 99,99% da humanidade, como eu por exemplo.

Quando alguém empresta seu brilho de mais de um milhão de sóis para a humanidade, exercendo seu trabalho e de alguma maneira suportando a invencível escuridão, este alguém é chamado de “fora-de-série”. Quando esta situação se dá no esporte, estas pessoas se revelam mais corajosas, já que no Esporte, qualquer um, é necessário vencer para se confirmar como um “super humano”.

Menos no Futebol, que revela assim mais uma de suas únicas facetas, a da generosidade. Podemos elencar muitos fora-de-série que não ganharam o título máximo, a Copa do Mundo. Assim, tivemos Puskas, Di Stéfano, Cruyff, Zico, Cristiano Ronaldo e mais alguns. Nesta Copa do Catar, assistiremos ao ocaso de mais jornadas, além da do já citado Cristiano Ronaldo. Mbappé parece ter começado sua Jornada de trás para frente, e por mais que seja um atleta impressionante, pode ser que a escuridão da soberba o envolva, vá saber…

Estamos falando mesmo de Neymar e Messi. Comecemos pelo nosso craque. Ou melhor, pelo que os iguala, que seria uma falta de unanimidade entre os conterrâneos para com eles. A seu modo, ambos são pouco empáticos. Como Cruyff nunca foi. Há com Neymar condutas familiares pouco aprovadas, mas também Pelé não reconheceu a filha. Dizem que Messi é autista – será que ainda dizem esta mentira? Essas coisas todas fazem parte da carga da fama, sendo normal e esperado para todo mundo que desponta dessa forma.

A diferença está no fechamento da Jornada dos dois. Neymar tem grande chance de ver seu ocaso na Seleção do banco de reservas. Ele, que sempre fugia das agressões que sofria – para ficar num eufemismo – acabou por gerar para si uma pecha de simulador. No fundo aquilo era para não se machucar e para tentar “ganhar” os juízes. Deu para entender a estratégia, mas acabou não colando.

Desta vez, no Catar, ele apanhou genuinamente, foi tudo de verdade, doeu mesmo, e ao que consta foi grave. Mas passa o recado a todos de que tudo se deu por ele não querer fugir da jogada, da responsabilidade e de sua sina de maior de sua geração. Ficando quieto no banco, machucado num lance fortuito, quem sabe ele se redima. Cumpre dizer que em 2014 quase foi feito paraplégico – sem exagero – pela entrada assassina daquele colombiano, tendo terminado aquela Copa como terminará esta, porém sua postura fora de campo pode redimi-lo. Principalmente se constatarmos que perdemos esta Copa por sua falta dentro das quatro linhas.

Messi, de seu lado, vem crescendo, se é que isso é possível. O título da Argentina na Copa América, contra o Brasil jogando em casa tirou parte da carga de suas costas por não ter nenhum título importante. Há quem exagere na Argentina dizendo que aquele foi o segundo Maracanazo. Porém depois de uma estreia vergonhosa contra a Arábia, ele parece ter assumido de vez o manche do time na redentora vitória contra a Polônia. Pode ser pouco, mas esta partida coloca Messi mais perto que Neymar pelo menos por agora, no rumo de uma conclusão vitoriosa de sua Jornada – lembrando que este texto foi escrito antes do jogo pelas oitavas contra a Austrália.

E lembrando mais ainda a versão que nossa torcida fez para o refrão da música de Caetano, citada acima e que esperamos continuar verdadeira:
“Êêêtaa, Êta, Êta, Êtaa! / Messi não tem Copa / Quem tem Copa é o Vampêta/ Êta, Êtááá!!!”

***
Em relação à derrota para Camarões, simples: nosso time errou gols que titulares de Seleção Brasileira não errariam. E o gol africano veio de uma arrancada de Aboubakar para cima de Marquinhos, improvisado, coitado, de lateral esquerdo. Esta falta de lateral pode ser que nos traga mais problemas. Mas já falamos disso no texto passado…

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

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