Menu fechado

“Continua dançando”

Ao final da partida de estreia contra a Arábia Saudita, um certo Lionel, de sobrenome Scaloni, preferiu o silêncio ante a seus atletas e não proferiu nenhuma palavra. Mas permaneceu ao lado deles, encarando um a um com um olhar de consolo e confiança. Uma equipe campeã se faz de posturas.

Outro Lionel, de sobrenome Messi, julgou ter ouvido no ônibus da delegação uma voz de alguém velho, num tom cândido. Diminuiu o volume de seu fone de ouvido e a voz continuava. Messi olhou para os lados e pela primeira vez a sensação jamais sentida de desalento depois da vergonhosa derrota para os árabes foi se dissipando. Na medida em que a voz falava, ele ia se acalmando e talvez pudesse lá longe sentir o retorno da confiança que o acompanhou por meses antes de partir para o Catar. Ele adormeceria com a paz dos justos, e o time todo estranhou a serenidade em seu rosto.

Despertou já no hotel e não se lembraria de quase nada do que ouvira daquela voz que parecia vir do além. Apenas se lembrou deste final, o qual se repetia para si mesmo, como um mantra, durante toda a Copa: “Ninguém erra no Tango. Não é como na vida. É simples, por isso é fantástico. Se erra ou se atrapalha, continua dançando.”

Ele jurou que já ouvira esta frase antes, mas a memória lhe trairia, pois antes de chegar à resposta, lhe advinha um pânico de estar ficando esquizofrênico diante da pressão que suportava ali, maior que todas as pressões que suportou na vida, posto que esta lhe era imposta por ele mesmo. E seguiu com estas palavras, feitas de mantra, sem dividi-las com ninguém.

Até que hoje, na roda que o time fez antes dos pênaltis contra a França, ele pediu a palavra como sempre. Mas sua voz não saiu como sempre. Era mais próxima do timbre da voz que ele ouviu no ônibus após a partida contra a Arábia Saudita. Ele não se apercebeu disso. Apenas Scaloni, o técnico, viu a diferença e viu o assombro dos outros jogadores. Por isso pediu com a voz branda, “repita o que disse, Messi!” Messi repetiu e as palavras saíram com sua voz mesmo.

A roda se dispersou e um dos colegas chegou para ele e disse, “Messi, este é o filme da vida de muita gente!” E foi aí, só aí, que Messi percebeu que as frases vinham de “Perfume de Mulher”, sendo proferidas por Al Pacino, na célebre cena do tango. Ele sorriu e disse, batendo no ombro do colega, “O filme da nossa vida é hoje!”

E o resto vocês já sabem.

Tivemos o privilégio de ver alguém ungido pelos Deuses da bola tomar seu lugar de Lenda. Citaremos o jogo de hoje para nossos netos, com reverência e com alegria, para então ouvirmos de nosso neto: “Mas o senhor ficou feliz com a vitória da Argentina, Vovô?” Daí riremos e vamos responder: “Pode ser, acontece, eh! eh! Mas é que ali, o vencedor foi o Futebol!”

***
Termino aqui as “Crônicas do Catar”, missão que tive a honra de dividir com Luciano Bueno Duran, sob a batuta de Ricardo Marques, Editor do Blog. Não sei quantos textos – foram quase trinta, entre nossa versão das histórias da Copa, nossas opiniões sobre a Convocação, a Abertura e os jogos do Brasil e agora fechamos com a Final.

Foram uma humilde, sem falsa modéstia, contribuição a esta grandiosa cobertura que Um Blog Qualquer realizou. Textos, vídeos e podcasts trazendo para você tudo o que envolveu este grande evento no Catar.

Eu não sou disso, pelo contrário, mas queria dar os parabéns a Ricardo Marques e temos juntos uma história de vida que não me obriga de forma nenhuma a bajulá-lo. É que por algumas semanas lá pelo primeiro semestre, cogitamos fazer uma cobertura mais enxuta. Ricardo está com um problema nos olhos, que o impedia de escrever plenamente e eu tentei poupá-lo do sacrifício.

Ele nunca titubeou e fez a melhor cobertura da imprensa virtual que esta Copa teve. Tenho muito orgulho dele, e algo me diz que ele ouviu a mesma voz que Messi ouviu, dizendo… “Continua dançando.”

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

Conheça também...