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A Arrogância, o Talento e a Inveja

Quando criei a coluna “Noites de Insônia”, eu tinha como objetivo separar as coisas. O que era um blog pessoal se tornava algo maior, com mais contribuições de outras pessoas e publicar textos de forma direta soaria como um desrespeito aos outros que aqui colaboravam. Na minha cabeça, o UBQ tinha várias opiniões plurais e até poderia ter uma opinião institucional. Mas não poderia ser a opinião do Ricardo, mas sim um consenso de todos os talentos que escreviam por aqui.

Desta forma, a coluna se tornou o meu espaço dentro do UBQ. Aqui escrevo minhas abobrinhas, minhas opiniões, minhas reflexões, minhas reclamações… enfim… você entendeu.

Hoje tive uma discussão um tanto ríspida com um amigo. Daqueles amigos que estão contados nos dedos. E ao final da discussão eu me senti muito mal. Afinal de contas, eu estava sendo tão somente injusto e invejoso.

Mas injusto com o quê? Invejoso sobre o quê?

Bom… na verdade, é justamente esse o problema. Ao longo da minha vida, como qualquer pessoa, fui presentado com oportunidades e também fui surpreendido com reveses. E o modo como cada um lida com isso é que direciona nossa vida para um lado bom ou um lado não tão bom.

E nesta caminhada de oportunidades e reveses eu obviamente convivi com outras pessoas, cada uma delas com seus dilemas próprios. Cada uma delas sujeitas às suas próprias oportunidades e reveses. E – pelo menos para mim – era impossível não observar o que acontecia com elas.

Assim, vi pessoas tornando-se médicos, bons médicos. Vi alguns deles retornarem como professores ou então como profissionais renomados em suas carreiras… psiquiatras, otorrinos, cirurgiões vasculares, cirurgiões cardiotorácicos, infectologistas, clínicos, ginecologistas, anestesistas, ortopedistas, todos muito bons naquilo que fazerm.

E onde tantos foram bem sucedidos, eu fracassei… Vi com algum orgulho o fato de uma vez ou outra tê-los como iguais. E depois vi com muita inveja o sucesso do talento deles e amaldiçoei meu fracasso.

Depois da faculdade de medicina, eu não tive uma carreira… tive empregos… mas não uma carreira. Fui instrutor de informática e depois fui atendente de suporte técnico numa empresa de sistemas. E em todas as oportunidades, a arrogância de ser um ex-estudante de medicina. Fracassado. Mas o que importava é que eu tinha estado lá.

E isso me criou muitos problemas. Algo que eu via com orgulho, as pessoas viam com arrogância. Acho que eu mesmo hoje diria para mim mesmo na época… “Você fez medicina? Ok… legal… e daí?”. Pelos problemas gerados acabei não criando raízes nem fiz amigos em nenhum dos lugares por onde passei.

Fui então para o serviço público. Pensei que a estabilidade me traria algum alívio. Com o tempo aprendi que meu trabalho era meramente burocrático, um preenchedor de papéis e formulários… Mas de novo, pela arrogância, transformei meu cargo em algo essencial para o funcionamento da escola. Pelo menos eu tentava fazer com que as pessoas acreditassem nisso.

E novamente, mais problemas. Vez ou outra, a “carteirada” do ex-estudante de medicina surgia. Isso impressionava alguns, mas era totalmente indiferente aos outros. Eu via então os professores e outros funcionários felizes em suas atribuições. Ou pelo menos resignados nelas. Eu os invejava. De novo, todos pareciam ter um caminho traçado… um norte.

E os meus colegas? Bom… a maioria deles deixava bem claro que ali era apenas uma passagem do caminho. Que dali iriam para seus projetos próprios. Claro que havia quem estava satisfeito ali, talvez cansado de buscar um caminho. Eu mesmo por um tempo achei que estava neste grupo. Mas eu vi colegas se tornando professores (de verdade), ou então abrindo o próprio negócio, outros rumo a uma primeira ou segunda graduação, com direito a mestrado e até doutorado. Soube que um deles hoje é professor universitário.

E foi uma época que eu até tentei a graduação novamente. Desta vez numa universidade pública. Fui para a USP… fui fazer biologia. E de novo cometi os mesmos erros de sempre… a arrogância do ex-estudante de medicina, a falta de foco… tudo deu errado. Acabei saindo de lá.

Mas acompanhei alguns colegas… tornaram-se pesquisadores, professores e surgiram na mídia com algum renome em suas áreas. De novo o talento prevaleceu. Assim como minha inveja pelo seu sucesso.

Fracassado como estudante… fracassado como profissional… restou-me criar alguma coisa para tentar ter algum talento e relevância. Veio então o blog. Alguns gostavam e não sei se por educação ou por verdadeira admiração, elogiavam o conteúdo.

Acreditei que poderia transformar em algo interessante. Então tratei de investir na forma e no conteúdo. Busquei criar uma identidade e com o tempo chamei alguma atenção. Alguns amigos toparam contribuir com seus talentos e a coisa se transformou em algo. Sim… estou falando do UBQ.

Mas de novo, eu não tive o talento necessário para transformar o UBQ em algo viável. Ele é o perfeito exemplo do “quase”. Assim como eu quase fui médico, eu quase criei um site de entretenimento.

Só que eu estava me enganando… o UBQ, tem o quê? Dois mil, três mil acessos mensais? Isso é a média de acessos de um único texto de sites como Omelete, Tecnoblog, Jovem Nerd, Adrenaline, entre outros tantos que eu poderia citar aqui.

E pior… o mérito nem é meu… olhando as métricas, os textos mais lidos são do Michel e do Júnior. Enquanto os meus textos têm dezenas de acessos, os textos deles estão na casa das centenas, até milhares. E sim… eu tenho muito inveja disso. Fico feliz por eles, em especial pelo Michel que tem um dom inequívoco com as letras. E quase todos os dias digo a ele que seus textos mereciam estar em jornais, revistas e sites de grande circulação.

E ele continua com seus textos… ele manda muita coisa pra cá… muita coisa boa, de excelente nível. Mas é claro que eu deveria ter a sensibilidade de entender que ele não escreve com exclusividade para cá. E aí vejo seus textões no Facebook… uma leitura leve, agradável, divertida, Algo que ele diz que faz com linhas mal traçadas. Mas o “mal-traçado” dele é o meu esforço de semanas para escrever algo razoável.

E sim.. eu invejo cada um dos textos que ele publica fora daqui. Invejo o talento natural dele. Assim como eu invejo o talento dos meus ex-colegas da faculdade de medicina que se tornaram grandes médicos e referências na sua área. Assim como eu invejo meus colegas de estado que usaram o serviço público como um caminho para buscar seus sonhos. E da mesma forma como eu invejo os colegas que fazem seus podcasts se tornarem bem sucedidos, sendo que aquele que eu faço nem periodicidade tem.

Sim… a culpa é minha. E tenho ciência disso. Sou culpado pela minha arrogância de insistir em contar por aí as coisas que quase fiz, mas que nunca realizei. Sou culpado pela inveja que tenho do talento dos outros, quando eu deveria ficar feliz por eles terem talento.

Mas não… no alto de minha arrogância, só consigo enxergar minha inveja pelo talento que os outros têm.

Sei que não tenho nenhum talento. Não fui bom estudante de medicina… instrutor de informática apenas regular, estudante de biologia totalmente inepto, servidor público apenas razoável e – ora ora – um péssimo editor de um blog qualquer.

Arrogante, invejoso e sem nenhum talento.

E sabe o mais engraçado? Provavelmente vou me sentir ainda pior quando perceber que quase ninguém lerá isto aqui.

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Noites de Insônia

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