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O Natal deve ser em família

Os menos sentimentais diriam que todos os anos a tradição é a mesma (e talvez por isso mesmo seja uma “tradição”): a família se reúne à meia-noite, há uma troca de presentes, uma ceia de Natal e a partir daí mais uma noite mágica acontece. A noite de Natal é um daqueles momentos que eu realmente acredito que deva ser compartilhado em família. Sim… o Natal deve ser em família.

Eu já contei por aqui que quando era jovem não havia uma tradição natalina em casa. Havia os presentes, o almoço de Natal, mas não havia uma ceia ou a troca de presentes e a comunhão que toda família deveria ter nesta noite tão especial. Isso aliás gerou algumas situações curiosas um tempo depois. Uma namorada dos tempos da faculdade ficou perplexa ao saber que não havia uma noite de Natal na minha casa. “Como assim? É uma noite da família!”. Isso gerou um mal estar danado porque eu realmente não havia feito planos para o Natal daquele ano.

O ano era 1995 e eu terminava o primeiro ano na faculdade de medicina. Por conta da faculdade eu me mudei para Campinas e confesso que não me animava em voltar para casa para o Natal. Afinal de contas, não haveria nada de especial e eu já havia saído da fase em que pedia presentes ao Papai Noel ou então torcia para uma noite feliz e uma noite de paz com meus pais.

Sabendo dessa minha resolução, minha namorada decretou que aquele Natal seria diferente para mim. Já que minha família não comemorava o Natal, então eu iria para casa dela comemorar o Natal com a família dela. Já namorávamos há quase um ano e as coisas estavam bem entre nós. Então não seria algo totalmente inusitado. Não era um noivado com pretensões ao casamento, mas era um namoro que estava funcionando até então.

Então começaram os preparativos. A moça – apesar de meio maluca – se mostrou bastante diligente nos preparativos do que para ela seria o meu primeiro Natal em família. Se você leu meus textos anteriores sabe que não foi bem assim, mas era um fato que na média em minha casa, não se comemorava o Natal.

Tudo caminhava conforme o planejado até que no começo de dezembro minha mãe teve um mal estar que a levou ao hospital. Ela teve problemas gastrointestinais e não conseguia mais comer. E ao mesmo tempo também não conseguia mais usar o banheiro. Uma série de exames mostrou um problema mais sério. Uma oclusão intestinal com uma massa bem evidente que sugeria algo bem grave. Minha mãe foi para internação naquele mesmo dia.

Meu pai ainda levava aquela vida maluca de não parar em casa para trabalhar. Mas naquele dia ele teve que parar e ir ao consultório do médico para ouvir más notícias. Novos exames revelaram que minha mãe tinha provavelmente um cãncer instestinal e que deveria ser submetida a uma grande cirurgia para tratar disso. Eu vi meu pai chorar poucas vezes em minha vida. Poucas mesmo: duas ou três vezes. E naquele dia ele não chorou, apesar de uma lágrima escorrer pelo seu rosto, enquanto ele ouvia o provável diagnóstico seguido do prognóstico bastante reservado. “Faça o que for necessário, doutor… da minha parte eu farei o que for necessário também”.

Ao saírmos do consultório ele foi ao quarto conversar com minha mãe e em seguida veio ter comigo. Ele foi bem claro ao me dizer que ele não era o tipo de pessoa que conseguiria ficar ali no hospital e que afinal de contas ele teria que trabalhar bastante para pagar tudo aquilo, pois não tínhamos nenhum convênio e meu pai ofereceu à minha mãe os melhores cuidados possíveis.

“Eu preciso fazer as coisas funcionarem aqui fora enquanto sua mãe é tratada, você pode me ajudar com isso?”. Eu assenti com um gesto e a partir daquele dia eu passei a morar no hospital com minha mãe. Veio a cirurgia (que realmente foi grande) e em seguida o pós-operatório complicado. O que temíamos, se confirmou: minha mãe tinha um tumor maligno no intestino que foi extraído juntamente com boa parte do seu intestino grosso. Fizeram a remoção e a religação do intestino (os médicos chamam isso de anastomose).

Os dias passavam lentamente no hospital. O pós-operatório evoluia vagarosamente e o Natal se aproximava. Minha namorada acompanhou tudo e ficou claro que minha mãe ficaria no hospital naquele período e até um pouco mais. A minha namorada veio visitar minha mãe e devo reconhecer que ela foi muito atenciosa e carinhosa com ela naquela situação tão difícil. Ela veio algumas vezes e em nenhum momento eu arredei o pé do hospital. Mas quando faltava um ou dois dias para noite de Natal, tanto minha mãe como minha namorada vieram com uma surpresa: minha mãe pediu a ela que me levasse dali na noite de Natal o que foi recusado prontamente pela minha namorada. Ela disse claramente que a noite de Natal deveria ser em família. E que naquele Natal em especial mais do que nunca eu deveria estar ali.

Mas minha mãe – sempre me surpreendendo – usou um argumento difícil de rebater. Num futuro não muito distante, eu e ela provavelmente formaríamos nossa família. E ela esperava estar ali para estar junto dessa nova família em outros Natais. Mas que ela não teve como me dar um presente de Natal naquele ano, então ela queria que o presente dela fosse justamente o direito de eu ter uma noite de Natal em família. Minha namorada então concordou. Mas com a condição de que eu retornasse ao hospital na mesma noite.

Assim, com elas combinadas entre si, não me restou alternativa. Naquela noite de Natal eu fiquei até as 23h na casa na minha namorada. Eles foram gentis à ponto de antecipar a ceia para 22h somente para que eu pudesse estar junto à eles na ceia e na troca de presentes. Não foi meu primeiro Natal em família, mas naquela noite eu entendi o quão importante era estar com a família no Natal.

Então, eu me despedi e agradeci pela noite especial. Voltei para o hospital onde meu irmão havia me rendido por algumas horas. Meu pai ficou em casa, cuidando da minha avó que não poderia ficar sozinha por lá. Ao entrar no quarto disse à minha mãe que minha namorada e a mãe dela viriam visitá-la no dia seguinte e que os presentes teriam que esperar. Ela sorriu e disse que o presente dela já havia chegado.

O tempo passou, minha mãe finalmente teve alta umas duas semanas depois e voltou para casa. Alguns meses depois meu namoro ruiu e acabou não dando certo. Eu guardo algumas mágoas daquele relacionamento, é verdade. Mas não posso negar aquele momento onde ela foi uma garota muito legal.

Ah sim… eu não contei sobre os presentes, não é mesmo? Ganhei algumas roupas da minha namorada e sua família. Não me lembro do meu pai ter comprado algo pra mim e claro que nem pensei nisso na época. Mas o meu maior presente eu comemoro ainda todos os Natais desde então: minha mãe está conosco até hoje. Já se vão 28 anos desde aquele Natal de 1995 e minha mãe está hoje com 79 anos de idade. Claro que a idade e outros problemas de saúde surgiram. Mas aquele câncer ficou para trás. Curada? Gosto de pensar que sim…

Então… mesmo com os presentes materiais… mesmo com os Natais em família que minha esposa Ana Paula me propiciou desde nosso primeiro ano de namoro, mesmo com minhas filhas crescendo felizes e com saúde, eu tenho todos os anos o presente de Natal mais incrível que já ganhei… minha mãe está aqui até hoje.

O Natal… oras… ele deve ser em família. Mesmo que a família não possa estar reunida. Ela deve estar reunida dentro de você. E estes são meus votos de Natal para o ano de 2023.

Uma noite de alegrias e paz para todos. Dentro do possível, junto à sua família.

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Noites de Insônia

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