Cresci nos anos 80. E como boa parte dos adolescentes daquela época, fui influenciado por filmes como Karate Kid a frequentar aulas de artes marciais. Primeiro eu tentei o Judô, com aulas na própria escola onde eu estudava. Não durou muito, porque eu só aprendia a cair e cair novamente. Fui então para o Karatê e por indicação de um amigo da mesma escola, passei a frequentar a Associação Karate-Do Tanaka.
Curiosamente, nunca tive aulas com Sensei Tanaka. Na ocasião, o dojô contava com duas unidades (uma no bairro do Sacomã e outra na Vila Prudente) e as aulas da unidade Vila Prudente ficavam aos cuidados de aluno mais avançado, faixa marrom. O estilo seguido na época era o Shotokan e ali cheguei até a faixa verde. Mas nunca me senti fazendo karatê de verdade. Assim, acabei parando de frequentar as aulas e a academia. Meus respeitos à associação e ao Sensei Tanaka, mas nunca me senti parte de lá.
O tempo passou e descobri um dojô perto do trabalho do meu pai. Era pequeno, mas bastante bonito com adornos que davam muito charme àquele lugar. Era afiliada a associação Meibukan e seguia o estilo Goju-Ryu. E foi então que eu conheci ele, Sensei Douglas Diana. E foi com este homem que eu realmente aprendi o que é karatê.

Ainda lembro da primeira vez que estive lá… apesar de pequeno, eram muitos alunos e alguns deles já estavam na faixa azul (3º kyu). Apesar de já ter alguma experiência anterior, eu voltei à faixa branca (7º kyu) e recomecei meu aprendizado. E eu levava muitas broncas dele… Seu primeiro comentário a meu respeito em um treino foi “Você tem boa elasticidade”. E eu nem tinha ainda meu próprio quimono.
Com o tempo ele passou a me chamar de “Miúdo”… talvez por conta do fato que, eu aos 15 anos de idade e tinha 1,83 m de altura, sendo bem maior que os demais alunos da minha idade. As vezes ele ficava extremamente mal-humorado durante treinamentos. E em treinamentos puxados ele fazia com que suássemos (e muito) o quimono.
Ele sabia ser engraçado tanto quanto sabia ser rígido e austero. Em alguns treinos ele brincava muito conosco. Vez ou outra eu pedia oportunidades para fazer katas mais avançados… às vezes ele deixava, outras não. Me ensinou a ser forte. Uma pessoa boa e de caráter. E com o tempo fui aprendendo que o karatê não era apenas uma luta marcial, mas um estilo de vida e uma bela filosofia para a vida.
Ao final do ano, ele e sua família promoviam uma celebração com os alunos do dojô. Era o tradicional Bonenkai (que em bom japonês, significa 忘年会, literalmente “reunião para esquecer o ano”) onde nos divertíamos à beça.
Treinei com ele até 1993. Quando então abandonei os treinos por conta da faculdade em Campinas. Eu deveria ter continuado de alguma forma, mas não o fiz. E também não me justifiquei. E hoje, navegando pela internet, descubro que o meu Sensei já era um venerável Shihan. Descobri também que ele faleceu em 17/08/2008. Foram 43 anos dedicados ao Karatê.

E percebi o quão tolo fui de ter abandonado meu karatê. Fica aqui minha homenagem (ainda que tardia) de respeito e profunda admiração por um homem que me ensinou muita coisa.
Post Scriptum… O legado do Sensei Douglas
Atualizado em 08/02/2023
O texto original foi publicado em 2010, mas agora em 2023 sinto que é necessário uma atualização por conta dos vários comentários que surgiram ao longo dos anos. Sensei Douglas já nos deixou neste plano físico a muitos anos, mas seu legado foi perpetuado por seu filho e aluno, Kazurô Nakashima Diana e também por sua aluna Lucia Akemi Yamauti.
Sensei Kazurô
Kazurô e eu chegamos a treinar juntos, afinal temos a mesma idade. Hoje ele é sensei com graduação em 5º Dan (Yudan-Sha Godan) e conta com vários projetos na área do Karatê, tendo sido também hexacampeão mundial, estando à frente da ACEPPA – Associação Cultural Esportiva de Projeção Prol Atleta. O trabalho do sensei Kazurô pode ser conhecido em seu site.

Sensei Lucia Akemi
Lucia Akemi Yamauti foi aluna do Sensei Douglas e está à frente do Nippaku Shobukan. Ela começou a treinar aos 10 anos de idade e atualmente é “Yudan-Sha Yondan”, 4º Dan no estilo, dedica-se inteiramente à forma tradicional seguindo os passos do nosso venerável Shihan. O dojô pode ser conhecido neste link.

Para mim, está claro que o legado do Sensei Douglas está em ótimas mãos. E eu realmente espero que nos próximos anos eu possa resgatar minhas origens junto ao dojô da Sensei Akemi ou quem sabe uma visita ao Instituto Kazurô lá em São Roque.