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Doutor Zuccas

Eu estava sentado na cozinha tomando meu café da manhã e vi na televisão a notícia do falecimento de um famoso doutor… o Dr. Sócrates. Jogador de futebol de grande talento e médico por formação. Deus, ironicamente, deu ao Dr. Sócrates o diploma de médico que praticamente nunca foi usado e talento para jogador de futebol (que foi exaustivamente utilizado).

Minha mãe – que também estava na cozinha – então falou da morte de outro doutor… o Dr. Zuccas.

Algis Waldemar Zuccas, Médico (São Paulo, 1929 – São Paulo, 11/08/2011)

Um pouco de história

Obviamente nem todos vão conhecer este nome. Mas ele também foi um homem público. Aliás, com certa notoriedade. Algis Waldermar Zuccas foi filho de refugiados da Revolução Russa e nasceu em 1929. Seu pai era dono de uma farmácia e ali ele tomou gosto pela área da saúde e percebendo o gosto pela carreira, sua mãe sempre o incentivou a estudar medicina. Em 1948, entrou na Escola Paulista de Medicina e graduou-se médico com especialização em pediatria. Aliás, foi meu pediatra.

Trabalhou por toda sua vida como médico pediatra na Mooca. Seu consultório ficava instalado na Rua Pirassununga e ali, em um casa com duas salas transformadas em ambulatório e uma sala de espera, o Dr. Zuccas tratava dos pequenos. Ele trabalhou com saúde pública, participando de programas epidemiológicos para o controle do sarampo e meningite. Pertenceu ao Rotary Clube (Alto da Mooca) e foi chefe de gabinete do Secretário Municipal da Saúde na gestão Jânio Quadros.

Para mim, ele foi mais importante do que tudo isso. Foi o médico que me inspirou a cursar medicina. Em suas consultas ele pacientemente ouvia todas minhas perguntas e respondia a todas elas com muito carinho e de uma forma que eu pudesse compreender. Eu perguntava sobre a doença, sobre o remédio, sobre o funcionamento do “tetoscópio”… tudo respondido gentilmente por aquele senhor que me inspirava. E que em todas as suas consultas eu dizia: “Quando eu crescer, quero ser um médico igualzinho ao senhor”.

E eu tinha motivos para isso… sua calma e serenidade e a maneira como ele encarava a profissão me fascinavam e me davam a certeza de que aquilo era exatamente o que eu gostaria de professar em minha vida.

Promessa cumprida e uma surpresa

Em foi no dia 03 de Março de 1995 a última vez que eu o vi. Neste dia fui até consultório não como seu paciente, mas como futuro estudante de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. E lembro até hoje de minhas palavras: “Vim aqui para contar ao senhor que finalmente eu consegui cumprir minha promessa… eu entrei na faculdade de medicina e terei a oportunidade de ser um médico tão bom quanto o senhor. Eu queria poder contar isto para o senhor. E queria pedir para o senhor que me aconselhasse o que devo fazer daqui para frente”.

Em sua serenidade habitual, ele me disse: “Você deve estudar muito a Anatomia e a Fisiologia que são as bases da medicina. Mantenha-se concentrado e estude muito porque a faculdade exigirá isto de você. Ao praticar medicina, você deve se lembrar sempre de ouvir tudo o que seu paciente venha a lhe dizer. Por mais simples que seja, por mais confuso que lhe pareça, você terá nas palavras do seu paciente a solução de muitos diagnósticos”.

E por fim, com um largo sorriso, ele concluiu: “Eu fico muito feliz em saber que aquilo que faço serviu de inspiração para um jovem inteligente como você!”. Ele estava genuinamente emocionado e me deu um abraço, me desejando sorte e ainda disse que quando estivesse formado, poderia voltar ali para visitá-lo, desta vez como um colega e não como um paciente. Eu lhe disse: “O senhor tem a minha promessa”. Então me despedi e segui confiante para Campinas.

O que eu não sabia é que nenhum de seus filhos seguiu a carreira médica e que seu consultório, após 58 anos de funcionamento encerrou as atividades neste mesmo ano de 2011.

Por fim…

Eu nunca consegui cumprir a promessa e envergonhado, nunca mais retornei ao seu consultório… Doeu saber que o homem que me mostrou como se deve praticar medicina não está mais por aqui. Faleceu em 11/08/2011, vítima de câncer na próstata. Deixou esposa (Leila) e três filhos (Miguel, Ana Maria e Marcelo), além de cinco netos.

Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Noites de Insônia

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