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O primeiro xerife negro

Em meio a esta época de reafirmações raciais – uma agenda que infelizmente nunca sai de moda – com depredações como a retirada de catálogo de “…e o vento levou”, quebra de estátuas e conflitos mundo afora, “Sem Pipoca” sugere ao leitor do UBQ um western inusual: trazendo um protagonista negro, “Inferno na fronteira” conta a história verídica de Bass Reeves, o primeiro xerife negro no Velho Oeste.

A história do primeiro xerife negro
A história do primeiro xerife negro

A temática do racismo permeia a narrativa, que de resto traz todos os elementos do gênero: homens honrados, bandidos igualmente honrados – dentro é claro de seu código de honra, histórias pessoais cobertas de rancor, uma paisagem tão bonita quanto inóspita e, claro, tiro para todo lado.

Uma discussão dos costumes

Por mais que tentemos ainda nos é difícil entender o sistema jurídico dos Estados Unidos. É importante que falemos disso, pedimos por sua paciência, para compreender a grandeza da nomeação do Reeves como Marshall (o nome oficial para “xerife”). Não há até hoje por lá um “Código Penal” como usamos por aqui. Adota-se o Direito de Costumes, por jurisprudência. Ou seja, cada crime é tipificado e penalizado baseado no que foi feito com crimes parecidos anteriormente.

No Oeste em processo de ocupação, urgia colocar uma ordem para que aquilo não descambasse de vez em uma “terra de ninguém”. O gênero Western mostra essas figuras, os Xerifes, não só como agentes mas como a personificação da Lei. Dá a impressão de que lei era o que o xerife achava que era, e no fim das contas acabava sendo isso mesmo, para bem e para mal.

Uma terra quase sem lei, onde a lei pesava sobre um indivíduo
Uma terra quase sem lei, onde a lei pesava sobre um indivíduo

Tudo isso para dizer que um negro ocupando este tipo de cargo, sendo ele “a lei” num país que o tornava até há pouco tempo algo mais baixo que um ser humano, sem direito sequer à liberdade, é um grande passo. Reeves era um fora-da-lei que busca se redimir sendo assistente de um xerife. Numa diligência em busca de um procurado, ele mostra misericórdia com o bandido – e com sua montaria – despertando a atenção do juiz de seu condado.

Diante de um fracasso de outro xerife, que foi morto sadicamente por um ex-homem da lei que se acantona em uma cidade à margem da Sociedade, o juiz encomenda a Reeves sua captura. Caso conseguisse, daria a ele o galardão de xerife.

A recompensa pela caça a um foragido... o primeiro xerife negro
A recompensa pela caça a um foragido… o primeiro xerife negro

Claro que o juiz conta com oposições, inclusive fazem com que a história chegue até o então presidente Ulysses Grant. Mas nem ele, o juiz, nem Reeves desistem da missão e tem-se uma saga de perseguição vibrante.

O merecido tributo

O elenco vai bem, com a canastrice calculada dos filmes de Bang-Bang. Os marvelmaníacos vão reconhecer Frank Grillo (o Crossbones, de Capitão América) que aqui encarna outro grande vilão . Mas precisaremos de mais senso de observação para reconhecer o assistente bêbado e engraçado de Reeves, interpretado por Ron Perlman, o Hellboy, que está acabadaço e impagável.

O racismo é uma chaga da humanidade, um crime hediondo. Não há como compactuar com ele. Neste filme vimos como ele pode ser superado pela ação firme de um homem que queria apenas uma vida digna para sua família e sua redenção. Talvez Bass Reeves seja um injustiçado pela história e é bem provável que ele nem ligasse para isso. Talvez assistir ao filme seja uma forma, divertida à beça, de lhe prestar o merecido tributo.

Serviço

Inferno na Fronteira (Hell in the border) EUA, 2019. Direção/ Roteiro: Wes Miller. Com David Gyasi, Ron Perlman, Frank Grillo, Zahn McClarnon. Disponível na Amazon Prime Video.

Post Scriptum

Nenhum partido político é uma reunião de santos e anjos. Mas no começo do filme o juiz responsável pela promoção de Reeves é apresentado como um abolicionista histórico, e esta postura, segundo a narração, foi responsável pela sua saída do Partido Democrata. Uma justa citação histórica ao partido fundador da Ku Klux Klan.

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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