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Bigode

Uma tragédia tem vários fatores envolvidos e da mesma forma vários culpados. Na maior tragédia do nosso futebol, a derrota final para o Uruguai no Maracanã, na Copa de 50, um fator foi decisivo e costuma ser esquecido: naquela Copa, onde pela primeira vez se viam os números nas camisas dos atletas, ainda não se podiam fazer substituições, só permitidas a partir de 58 na Suécia e ainda assim somente por contusão e , de novo, ainda assim uma só por partida.

É sabido que a Copa de 1950 veio para o Brasil da forma mais natural possível, já que a Europa estava escangalhada pela Segunda Guerra. Mesmo assim teve gente que desistiu de vir como a India e a Turquia – que na hora H não tiveram dinheiro. A França descobriu quase no momento de embarcar que faria o primeiro jogo em Porto Alegre e o segundo em Recife. Pediu para a organização colocar o segundo jogo pelo menos em Curitiba, o que foi negado, fazendo os franceses, talvez com uma ponta de razão, desistirem de vir. A Alemanha e o Japão, promotores da arruaça que quase acaba com o mundo, foram proibidos de vir mas a Itália pôde, o que não é explicado até hoje.

Dos seis estádios utilizados, apenas dois foram construídos para o evento: o Independência em BH e o Maracanã no Rio. Já havia o “Padrão Fifa”, exigindo cabines de imprensa e corredores ligando os vestiários ao campo. E foi uma Copa sem “mata-mata”: os primeiros colocados nos quatro grupos da primeira fase jogariam um quadrangular final.

Brasil e Uruguai foram ganhando com facilidade seus jogos. No Uruguai uma dupla se destacava: Ghiggia e Schiaffino, bem como a jogada envolvendo os dois: Ghiggia vinha rápido pela direita e cruzava baixo para Schiaffino marcar. Na primeira fase esta jogada aconteceu várias vezes e redundou em gols na primeira partida contra a Bolívia e na segunda, contra a Espanha. No quadrangular final, marcaram mais um gol desta forma contra a Suécia e na partida final… mais dois.

Qualquer, perdoem, idiota, se prepararia minimamente para tentar abortar essa jogada. Nosso lateral esquerdo, Bigode, responsável por (tentar) parar Ghiggia talvez até tenha sido instruído por Flávio Costa, técnico brasileiro. No primeiro tempo daquele nebuloso 16 de julho, foram seis investidas de Ghiggia para cima de Bigode, tendo o uruguaio ganho todas.

No segundo tempo, aberto com o gol brasileiro de Friaça, foram mais treze, é, treze investidas de Ghiggia, que conseguiu passar por Bigode, justiça seja feita, só por cinco vezes. Numa delas concretizou a jogada manjadíssima, e encontrou Schiaffino que chutou para as redes de Barbosa. Minutos depois Ghiggia não precisou passar por Bigode – correu pelas costas dele, que cobria um meio campo uruguaio e ganhou a corrida. Schiaffino vinha pelo meio e Barbosa se lançou para cortar o cruzamento e até conseguiria se Ghiggia cruzasse, mas ele chutou direto, pegando nosso goleiro no contrapé e calando duzentas mil pessoas.

Talvez Flávio Costa tivesse entrado em pânico no intervalo do jogo, uma vez que nada podia fazer a não ser rezar para o baile de Ghiggia para cima de Bigode terminar, o que certamente ocorreria caso Bigode tivesse a dignidade de dar uma botinada assassina no uruguaio. Mas o problema foi exatamente o fato de não se permitirem as substituições. Se permitidas fossem, Costa já teria o lateral reserva em ponto de bala, não tão consagrado quanto Bigode na época mas que teria futuro. Se a regra da substituição existisse, Nilton Santos entraria e talvez a história fosse outra.

Copa do Mundo de 1950

  • Sede: Brasil Período: 24/06 a 16/07/1950
  • Campeão: Uruguai; vice: Brasil
Publicado em:Crônicas,Entretenimento,Uma Copa Qualquer

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