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O Rei está morto

A notícia obviamente causará um alvoroço na mídia em geral… Édson Arantes do Nascimento, nascido em Três Corações, futebolista, tricampeão mundial de futebol pela seleção brasileira de futebol; bicampeão mundial de clubes pelo Santos Futebol Clube, carrasco do meu amado Sport Club Corinthians Paulista durante pouco mais de uma década, um homem cujo legado no esporte o tornou uma lenda ainda durante sua existência… Pelé, o Rei do futebol, morreu. O Rei está morto.

O legado de Pelé

Eu não pertenço à geração que teve o privilégio de ver Pelé em campo ao vivo. Minto… eu o vi uma única vez. A ocasião era a comemoração de seus 50 anos. e em razão da data, a seleção brasileira organizou um jogo amistoso contra uma seleção do “Resto do Mundo” e tinha grandes nomes do futebol da época como Van Basten, Roger Milla, Gheorghe Hagi e Hristo Stoichkov. Do lado brasileiro, a seleção contava com nomes como César Sampaio (estreando na seleção), Leonardo, Cafu, Neto, entre outros… e o técnico era Paulo Roberto Falcão.

31/10/1990 – Brasil 1×2 Seleção Resto do Mundo – Comemoração dos 50 anos

O jogo aconteceu no estádio Giuseppe Meazza (o San Siro) e sim… era um jogo oficial da seleção brasileira. E claro que era um jogo comemorativo e em nada mostrava o talento de Pelé em campo. O resultado foi o placar de 2×1 para a seleção do resto do mundo. Apesar deste jogo ter sido encarado como sua despedida pela seleção, sua despedida de fato foi bem antes… em 1971 foram dois jogos, sendo um no Morumbi contra a Áustria (empate em 1×1) e outro no Maracanã contra a Iugoslávia (outro empate, desta vez por 2×2).

Por clubes, sua carreira foi praticamente toda no Santos Futebol Clube. Estreou por lá em 1956 e até 1974 conquistou praticamente todos os torneios que disputou: Campeonato Paulista, Torneio Rio-São Paulo, Taça Brasil, Torneio Roberto Gomes Pedrosa, Libertadores das Américas e Mundial de Clubes… foi bicampeão. Ele teve ofertas para jogar no exterior, mas permaneceu na Vila Belmiro. Por um tempo ele também serviu o exército e lá defendeu o selecionado militar. Em 02 de outubro de 1974, Pelé jogou pela última vez como profissional. Foi em um jogo contra a Ponte Preta, vencido pelo peixe por 2×0. E naquela última atuação do Rei, eu contava com apenas 29 dias de vida.

02/10/1974 – Santos 2×0 Ponte Preta – Último jogo de Pelé pelo Santos

Sim… existe uma “era Cosmos” na carreira de Pelé… isso foi entre 1975 e 1977. Não vejo justiça em lembrar esta fase da carreira. Pelé foi da seleção… Pelé foi do Santos… Ali no Cosmos, já não era o Pelé… era o Édson. Que usava a persona Pelé.

Foram mais de 1000 gols. Numa conta mais exata, 1283.. .A FIFA não reconhece todos eles porque boa parte foram marcados em partidas não oficiais. Mas para a história, fica o registro dos mais de mil gols. E foram 1366 partidas. Inclua-se na conta o Santos, a Seleção, o Exército, o Cosmos e outras aparições.

Claro que depois descobri o Pelé… a magia do videoteipe me permitiu ver sua fantástica atuação nas copas de 58 e 70. Sua contusão em 62 que deu espaço para outra lenda… Amarildo. A caçada que fizeram a ele em 1966. Seu milésimo gol numa cobrança de pênalti contra o Vasco da Gama no Maracanã.

Pude ver também os gols que ele não fez, sua finta em Mazurkiewicz na semifinal contra o Uruguai em 1970. Ou então no chutaço de cobertura que Pelé arriscou quase no meio-campo no jogo contra a Tchecoslováquia ainda na fase de grupos e que o goleiro Ivo Viktor só pode acompanhar a bola que passou rente à trave.

Não vi, mas pude ler sobre o gol mais bonito que Pelé já fez (segundo o próprio Pelé) contra o Juventus da Mooca lá no estádio da Rua Javari em 1959. Após receber passe de Dorval, Pelé aplicou quatro chapéus, incluindo um no goleiro Mão de Onça e, de cabeça, estufa a rede do Moleque Travesso, como é conhecido até hoje, o time do Juventus da Mooca. Era o quarto gol do Santos na partida e o terceiro de Pelé. Um golaço sem precedentes e que nunca mais foi reproduzido.

Pelé foi aclamado “Rei do Futebol” pela primeira vez em 1958, quando Nelson Rodrigues após assistir a mais um jogo onde o ainda jovem Pelé brilhou. A atuação motivou a criação de uma crônica intitulada “A realeza de Pelé”.

“Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés”

Nelson Rodrigues, 08/03/1958 – A Realeza de Pelé, Revista Manchete

Pelé também foi escolhido como o “Atleta do Século” pelo Comitê Olímpico Internacional em 1999. Também foi aclamado como Jogador do Século no mesmo ano.

E não há como negar, o futebolista Pelé deixou um legado em vida que o eternizou. Foram muitas homenagens ainda em vida e desnecessário reconhecer tudo o que ele fez. Sorte de todos aqueles que puderam ver Pelé jogando. Pelé marcando… Pelé sendo eterno.

A história do Édson

Édson Arantes do Nascimento nasceu em Três Corações/MG em 23 de outubro de 1940. Seu pai era jogador de futebol e quando criança foi morar em Bauru/SP. Começou a jogar pelo Bauru Atlético Clube. Quando começou a se destacar ainda nos times juvenis, teve propostas para jogar pelo Noroeste, além do Bangu Atlético Clube. Mas seu técnico no Bauru – Waldemar de Brito – insistiu e levou o jovem para o Santos Futebol Clube.

Essa história já contamos… foi a época em que Édson dava lugar ao Pelé. Aliás, é bom lembrar que o Édson não gostava inicialmente do apelido Pelé. O apelido surgiu ainda em idade escolar e anos depois, Édson falou sobre isso.

Meu nome verdadeiro é Edson. Eu não inventei Pelé. Eu não queria esse nome. Pelé soa infantil em português. Edson é mais como Thomas Edison, o homem que inventou a lâmpada.

Pelé, sobre sua recusa inicial do apelido

Lá pelo final da década de 60, Édson fez as pazes com Pelé… e ele percebeu que poderia usar o Pelé como uma marca. E assim o fez. Surgia o mito Pelé, que virou garoto propaganda de brinquedo, chuteira, bola de futebol, marca de refrigerante… virou até personagem de quadrinhos pelas mãos de Maurício de Sousa. Sim… o Édson soube que Pelé poderia ser não só o jogador, mas o seu principal ativo econômico.

Durante seu auge como jogador vivíamos em plena ditadura militar. Assim, o Édson evitou falar de política naqueles tempos. Mas algumas de suas ações geraram críticas por sua postura eventualmente pró-governista. Ao mesmo tempo, o governo via na figura do Pelé uma grande propaganda e muita gente afirma que o governo tentou muito que Pelé reconsiderasse sua aposentadoria da seleção e disputasse o mundial de 1974. Édson não aceitou. E Pelé ficou de fora da copa.

Mas depois, já em um ambiente pró-democracia, Édson apoiou o movimento “Diretas Já”. E lá na década de 90, Édson virou ministro dos esportes no governo FHC e é desta época que veio a “Lei Pelé” que estabeleceu novas regras para o esporte do país.

Édson foi casado algumas vezes. Casou-se com Rosemeri Cholbi em 1966, depois com Assíria Nascimento em 1994 e depois com Márcia Aoki em 2016. Ainda foi notório seu romance com Xuxa Meneghel na década de 1980. Pelo primeiro casamento, Édson teve três filhos: Kelly, Jennifer e Edinho. No segundo casamento, os filhos Joshua e Celeste. Édson ainda teve duas filhas que só foram reconhecidas após intensa disputa judicial. Sandra, fruto de seu relacionamento com Anísia Machado (quando ainda namorava aquela que seria sua primeira esposa) e Flávia, fruto de seu relacionamento extraconjugal com Lenita Kurtz quando era casado com Rosemeri. Seu relacionamento com essas filhas não era dos melhores e Édson só reconheceu a paternidade após decisão judicial.

Não… Édson não era perfeito. Ele era um ser humano dotado de qualidades e defeitos. Sua infidelidade, sua postura política na década de 70, sua intenção de explorar economicamente a marca Pelé… Como todo ser humano poderíamos sim encontrar uma série de defeitos em Édson. Mas isto faz parte da natureza humana. Embora nem eu, nem você, leitor, queira reconhecer, nós também temos nossos defeitos.

Édson = Pelé

Ao final da vida, já não importava mais se estamos tratando do ser humano Édson Arantes do Nascimento ou do craque eterno Pelé. Certas coisas perdem o sentido depois de algum tempo. Ninguém quer ou vai se lembrar dos erros do Édson. Mas todos queremos poder contar os grandes momentos do Pelé.

Muitas vezes em seus autógrafos, Pelé consignava sua marca assim: “Édson = Pelé”. Talvez um modo de fazer as pazes entre o homem e a lenda. Talvez para lembrar a todos que o bajulavam e o reverenciavam que ali, também havia um ser humano. Com suas qualidades, defeitos, medos, sonhos, alegrias, tristezas.

Em seus autógrafos, muitas vezes o homem Édson se igualava ao Rei Pelé

E hoje, a história do homem chegou ao fim. Vítima de câncer no cólon, Édson não respondia mais ao tratamento. Mesmo doente, Pelé pôde acompanhar uma última copa do mundo. A copa do Catar. Não viu o Brasil ser campeão, mas pôde acompanhar a trajetória de outro craque. Messi também é um daqueles craques diferenciados que terão seu lugar na história ainda em vida. E que teve o privilégio de ser acompanhado em sua trajetória pelo Rei Pelé. E foi reverenciado pelo rei.

A vida de Édson neste plano se encerrou. Deus o tenha. O legado de Pelé só se tornou maior… E temos a honra e privilégio de lembrar suas boas histórias.

Descanse em paz, Pelé. Obrigado por elevar o futebol para o estado da arte, as peladas de bola nas ruas dos céus ficarão bem mais divertidas a partir de agora.

Publicado em:Opinião,Papéis Avulsos

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