Menu fechado

Descanse em paz, Twitter

Antes de começar a descer a lenha no assunto, acho importante esclarecer: isto NÃO É um editorial. Não é a posição institucional do UBQ. Mas é a minha opinião enquanto “analista de tecnologia”. Acho que posso me apresentar assim, não é mesmo? Mas é bom lembrar, o editor do UBQ talvez veja nisso um erro do bilionário Elon Musk. Eu, enquanto “pessoa física”, acho que o menino Elon fez uma bela de uma cagada… o Twitter morreu. Descanse em paz.

O Twitter nasceu como uma espécie de microblog em 2007. Ok… tecnicamente em 2006. Criado por Jack Dorsey, Noah Glass, Christopher Stone e Evan Williams, o projeto nasceu como Twttr para se aproveitar do sistema de numeração do serviço de SMS americano e tudo seria resolvido em apenas 140 caracteres.

Do rascunho de Jack Dorsey ao 1º tuíte… tudo em 140 caracteres.

Nos primeiros anos, o serviço ganhou popularidade. E afinal de contas, a ideia era realmente muito boa. No começo, muita gente não sabia muito bem o que fazer no Twitter… alguns contavam sobre sua rotina (ainda lembro da Sandy enviando uma mensagem onde dizia querer um doce). Outros lançavam pequenas pílulas reflexivas e muitos simplesmente falavam coisas engraçadas e sem sentido. Com a adesão de celebridades e personalidades, muita gente se interessou e também entrou na onda do Twitter. E por volta de 2011, a rede já contava com cerca de 140 milhões de tuítes diários.

Dos tuítes inocentes às mensagens tóxicas

O Twitter cresceu e novas funcionalidades foram adicionadas: imagens e vídeos poderiam ser adicionadas às mensagens, menções à outras contas em suas mensagens e os retuítes foram algumas destas novidades. O crescimento era constante e não só pessoas, mas também instituições usavam a rede como um canal de comunicação. O Twitter entrou na bolsa de Nova York em 2013 e tornou-se uma empresa bilionária. E cada vez mais as pessoas encontravam um espaço para expor suas ideias, opiniões, críticas e pensamentos de forma ágil e de rápida propagação. Por fim, em 2017, o Twitter dobrou o limite de caracteres por mensagem, permitindo tuítes com até 280 caracteres.

E assim como em outras redes sociais, surgia no Twitter o fenômeno dos influenciadores digitais: perfis de pessoas ou entidades que captavam um grande número de seguidores e que criavam um público bem direcionado e alinhado com suas ideias. E por ser uma comunidade livre, surgiu toda sorte de influenciador. Cada um tinha a liberdade de falar o que quisesse. Cada um tinha a liberdade de acompanhar quem quisesse. E em uma comunidade tão grande, surgiram os bons, os maus e os feios…

Surgiram então as polêmicas, as brigas, as ofensas e os apoiadores e seguidores de cada lado da briga iniciavam novos embates e muitas vezes as coisas ganhavam proporção enorme. Mas enquanto as brigas eram porque um achava o outro feio ou bobo, tudo bem… Bom, nem tanto. Mas até aí tudo por conta da imbecilidade do “bicho homem”. O problema é que além destas brigas de quinta série no parquinho, surgiram as mensagens que faziam apologia ao ódio, ao preconceito e apologia a crimes e outras ilicitudes. Surgiram os influenciadores do mal e o pior… seus seguidores.

Das briguinhas da 5ª série passamos à intolerância e discursos de ódio e preconceito

No Brasil, a coisa foi particularmente complicada no campo da política. Notícias falsas, narrativas coléricas, intolerância e muito engajamento tóxico. Políticos usaram de sua exposição na rede para incitar a violência contra quem pensava diferente. Surgiram os lacradores de um lado, os mitadores de outros e até mesmo os isentões que preferiam subir no muro e esperar o barulho parar. Não parou…

Em nome de uma pretensa Liberdade, eis o menino Elon

O fenômeno da polarização política e ideológica não ficou restrito ao Brasil. Pelo mundo surgiram influenciadores que pregavam o direito de falar livremente. Alegavam o direito à liberdade de expressão. Mas mesmo a liberdade tem seus limites. E teve gente defendendo o indefensável em todos os campos do conhecimento. Mesmo assim, uma galera apoiou… tudo em nome de uma pretensa liberdade.

Entre eles, um tal Elon Musk. O menino Elon, que vinha causando algum barulho com o sucesso de suas empresas SpaceX e Tesla. Embora ele nem sempre conte que apesar dele ser o dono das empresas, as ideias não foram dele. Mas enfim, ele vendeu ao mundo a imagem de grande empreendedor e visionário e um gênio da tecnologia. E muita gente comprou.

O menino Elon e sua relação com o Twitter

É justo dizer que Musk sempre foi um usuário muito ativo no Twitter. Ele sempre teve um perfil bem movimentado e com muitos seguidores. Lá por 2017, ainda em tom de brincadeira, alguém sugeriu a ele a compra da rede do passarinho azul. Sua resposta foi “Quanto custa”? Mas na ocasião, não foi levado a sério. E não era sério mesmo…

O menino Elon indo ao shopping gastar uns trocados… “Quanto custa?”

Em 2022, o menino Elon começou a questionar as medidas do Twitter para desencorajar as narrativas de intolerância e ódio na rede. Em sua argumentação ele trazia a ideia de que a liberdade de expressão era essencial para garantir uma democracia funcional. Sua verborragia sobre o tema o levou a conversas com os cofundadores do Twitter sobre a possibilidade dele (o menino Elon) fazer parte do corpo diretivo da empresa. Ele chegou até mesmo a sugerir que criaria uma rede social própria para concorrer com o Twitter, caso não conseguisse fazer parte da empresa.

Como empresa de capital aberto, o Twitter tem ações na bolsa. O menino Elon resolveu então ir às compras e num primeiro momento adquiriu cerca de US$ 2,5 bilhões em ações da empresa. O movimento tornou Elon o principal acionista individual da empresa, com cerca de 9,2% das ações oferecidas na bolsa. No dia seguinte à compra, a empresa ofereceu à Elon um lugar no corpo diretivo da empresa. O que ele, a princípio, aceitou.

Por que comprar? Por que não comprar? “Comprei-o-o”

Como acionista, Elon passou a tecer várias críticas à empresa e ao modo como ela conduzia suas políticas de privacidade e regras de uso. Em seu discurso a repetição exaustiva do mantra em defesa da liberdade de expressão. As críticas subiram de tom a ponto de Musk sugerir que ele tinha a intenção de fazer uma oferta de compra para fechar o capital da empresa. Por sua vez, outros acionistas do Twitter resolveram processar o menino Elon, pois viram nesta ação uma tentativa de manipular o preço das ações na bolsa. Por conta de toda a polêmica, o jovem Elon declinou de sua posição no corpo diretivo. E aí, ele resolveu abrir a carteira.

Em abril daquele mesmo ano, o mancebo fez uma oferta para compra da empresa, oferecendo impressionantes US$ 43 bilhões, o que foi visto como uma oferta de aquisição hostil. E obviamente o mercado reagiu à tudo isso. Primeiro, pelo óbvio: o Twitter não valia US$ 43 bilhões. Mas no mundo dos negócios, uma oferta desta envergadura não poderia ser ignorada.

E não foi… após deliberação do conselho da empresa, a venda foi aprovada. E aí colocaram tudo no papel, a oferta de intenção de compra, inclusive com multas pesadas para as partes no caso de desistência do negócio. Tudo parecia encaminhado.

“Eu fiz uma oferta”, que também poderia ser “Quero o brinquedo pra mim!”

Deixa a ficha cair

Tudo parecia muito bom para o Twitter, com uma oferta multibilionária na mesa e um menino mimado querendo ser o dono da bola de capotão. Mas então o menino Elon quis dar um passo atrás. Para isso ele justificou que os números da empresa não batiam com as informações preliminares e por essa razão ele quis retirar sua oferta. Mais uma vez o mercado não reagiu bem e isso levou a uma desvalorização de mercado. Muita gente garante que isso foi uma tentativa de Elon para reduzir o valor a ser pago no negócio, ou até mesmo liberá-lo do compromisso.

Mas aí foi a vez do Twitter fazer valer o acordo entre as partes, processando o menino Elon por descumprimento contratual. E após algumas idas e vindas, Musk cumpriu sua parte e fechou o negócio em outubro de 2022. Com a compra consolidada, menino Elon aprontou mais uma: foi até a sede da empresa carregando uma pia de banheiro em alusão a uma expressão que ele usou para informar a compra: “let that sink in”. Algo como “Deixe a ficha cair”.

Menino Elon e sua pia de banheiro ao comprar o Twitter

O dono da bola de capotão

Desde a aquisição, menino Elon disse que a compra do Twitter faria parte de um plano maior: a ideia de criar um aplicativo/plataforma ao mesmo estilo do Wechat na China. Uma espécie de Tudo-em-um onde o usuário poderia se comunicar, pagar contas, pesquisar conteúdos, enfim… um aplicativo de tudo.

Ao assumir o Twitter, menino Elon promoveu profundas alterações na cultura corporativa da empresa: ele promoveu uma onda de demissões em larga escala estabelecendo uma cultura workaholic onde os funcionários deveriam se dedicar ao aplicativo de modo compulsivo. Para isso, segundo ele, seria preciso ter uma equipe extremamente “hardcore”, disposta a trabalhar cerca de 80 horas semanais.

Trabalhe duro ou vá embora!

Menino Elon aos funcionários do Twitter

Os funcionários que não concordaram com os novos requisitos foram mandados embora com três meses de rescisão. Menino Elon chegou até mesmo demitir um funcionário via mensagem na rede social.

Ele também enxugou os gastos da empresa, mas fez isso sem critério e chegou até mesmo a atrasar o pagamento de aluguéis dos prédios onde a empresa funcionava. Segundo menino Elon, a casa estava uma verdadeira bagunça e tudo… absolutamente tudo precisava mudar.

Minha bola, meu jogo, minhas regras

Além das mudanças administrativas, menino Elon promoveu uma série de mudanças na estrutura da rede. E isto foi analisado por nós lá no começo do ano. Em seu plano de negócios, o dono da bola de capotão tratou de deixar bem claro a política do “Minha casa, minhas regras”. Chegando a suspender contas dos críticos a ele ou ao serviço, além do banimento de desafetos, como o famoso perfil @Elonjet que usava dados públicos da aviação civil para publicar a localização do jatinho particular do menino Elon. Outros banimentos ocorreram por ordem direta do chefe.

Minha bola, meu jogo, minhas regras… não gostou? Vá embora!

Estruturalmente, ele criou mecanismos para criar novas receitas como a remodelação do selo de verificação – que deixou de ser um reconhecimento e passou a ser um serviço cobrado – além de nova política mais permissiva para publicação de anúncios na plataforma.

Mas o corte de pessoal e recursos com o tempo começaram a cobrar seu preço. A plataforma começou a apresentar instabilidades e surgiram problemas com segurança e integridade do serviço. Perfis que propagam discurso de intolerância e ódio começaram a aumentar e contas sem credibilidade ganharam destaque por conta do selo de verificado. Excesso de anúncios indesejados e toda sorte de críticas ao serviço. Muitos anunciantes, digamos saudáveis, deixaram de anunciar na plataforma um cenário de caos se instaurou.

Mas nada disso importava… menino Elon alterava as regras do jogo sempre que sua vaidade, ego ou vontade mudavam ou eram afetados. Regras eram criadas de acordo com seus interesses. E em seu discurso a garantia da liberdade de expressão e a liberdade irrestrita. Uma liberdade que curiosamente culminou num relacionamento problemático com a imprensa. Qualquer tentativa de comunicação dos veículos de imprensa com a assessoria do Twitter terá como resposta um emoji de cocô.

Menino Elon levou a relação com a imprensa para a latrina

O caminho para o fim

Com uma política administrativa bem nebulosa, menino Elon transformou o Twitter em algo amorfo e a caminho da irrelevância. Ele apostou forte na ideia de que as pessoas pagariam para ter destaque por ali, e devemos reconhecer, muita gente comprou esse discurso. Mas será que foi tanta gente assim a ponto de equilibrar as contas?

Ele também enxugou a equipe e reduziu drasticamente a equipe técnica. Isso causou problemas operacionais pois sem engenheiros e programadores que conheçam a estrutura da plataforma, alterações de programação e correções de bugs se tornaram uma grande dor de cabeça.

Menino Elon promovendo um verdadeiro desmonte do Twitter

O menino Elon também trouxe para si as decisões diretivas. Ele demitiu todos os executivos do conselho diretor e criou uma espécie de vácuo, porque todas as decisões passam obrigatoriamente pelo garotão. Muita gente elogiou… muita gente criticou e menino Elon chegou ao ponto de anunciar que encontraria uma outra pessoa para assumir a chefia administrativa da plataforma e ele ficaria apenas com as decisões criativas. E ele de fato fez isso, contratando Linda Yaccarino, ex-NBC/Universal para tocar as operações de negócios.

Mas o grande problema – em minha opinião – é que as regras do Twitter são alteradas conforme o humor de seu proprietário. Em nome de uma alegada liberdade, o menino Elon apenas contribuiu para derrubar o interesse pela plataforma, ou melhor, em usar a plataforma como meio de divulgação. Elon está destruindo uma rede social que já vinha patinando pelo ambiente extremamente tóxico e polarizado que ser formou por aqui. Sempre fui fã do Twitter, ainda que eu reconheça seus defeitos.

A pá de cal: desaparece o Twitter e surge o X

Eu tenho a percepção de que ele pagou um valor muito maior do que a plataforma realmente valia e acredito ser uma decisão temerária monetizar os principais recursos da plataforma atrelado a um plano de assinatura (o tal Twitter Blue). Foi um erro grotesco vincular a verificação de perfis ao pagamento de uma assinatura pois não existe uma métrica razoável para garantir a veracidade ou confiabilidade de um perfil. Excluir a imprensa especializada que criticou as mudanças estruturais da plataforma foi uma demonstração clara de falta de diálogo e desrespeito ao valor mais defendido pelo menino Elon: a liberdade de expressão. Ele deu um recado claro: “Fale o que quiser no Twitter… desde que eu concorde com você”.

Entre as mudanças mais recentes, veio agora a restrição de visualizações. Você só pode acessar até 600 tuítes diários, caso não seja assinante do Twitter Blue. Ao exceder este limite, você não pode mais navegar pela plataforma. Uma ferramenta de gerenciamento da plataforma, o Tweet Deck, a partir de agosto também será reservado ao público pagante.

E agora, veio a mais nova peripécia do menino Elon… desde o último dia 24 de julho, foi anunciado uma alteração no nome da plataforma. O Twitter agora se chama “X”. A empresa controladora da plataforma já tinha a denominação de X Corporation, nos mesmos moldes da Alphabet (controladora do Google) e da Meta (controladora do Facebook). Ao que parece, o menino Elon quer apagar todo e qualquer vestígio do que a plataforma já foi um dia.

De Twitter para “X” e o menino Elon não quer mais o passarinho azul

Como estão as coisas?

As mudanças promovidas pelo menino Elon têm sido criticadas sistematicamente pela imprensa, analistas, ex-funcionários e usuários da plataforma. O surgimento do serviço Threads – que literalmente é a versão do Twitter apresentada pela Meta – deixou as coisas bastante desconfortáveis. Além disso, corre uma ação judicial onde a empresa do menino é acusada de dívidas com indenizações não pagas a ex-funcionários.

As demissões continuam e a plataforma perdeu cerca de 80% da sua força de trabalho em todos os setores. Perdeu também anunciantes e conversões de visualizações. As pessoas estão usando menos o Twitter… ou o que quer que a plataforma seja neste momento. Publicações dos perfis seguidos se perdem em meio a anúncios e publicações patrocinadas.

Ao mesmo tempo, surgem boatos sobre possíveis processos que a empresa poderá sofrer pelo uso da nova marca. Gigantes como Microsoft e Meta já possuíam registros para uso da marca “X”. E se considerarmos o uso da marca em outros setores, são mais de 900 registros de marcas. Parece então que é uma questão de tempo até que alguém processe o menino Elon por uso indevido da marca.

Que o menino Elon é excêntrico, já sabíamos (afinal, ele batizou seus filhos de “X Æ A-12” e “Exa Dark Sideræl Musk”). Que o menino Elon é temperamental e movido pelo seu grande ego, também. Ele realmente acredita ser um gênio da tecnologia. E muita gente também. Sua impulsividade, decisões tomadas apenas em critérios pessoais e subjetivos, falta de uma estratégia de marketing e o desprezo a toda trajetória do Twitter nos últimos 17 anos quase encerra um capítulo de uma das redes sociais mais bem-sucedidas da história.

Mas enfim, eu posso reclamar, posso criticar, mas isso não muda um fato: a empresa é dele. E ele pode fazer o que bem entender com ela. Ele pode destruí-la, desligá-la, enfim… o que ele quiser. Ele comprou a empresa Twitter para fazer parte dela. Mas houve um pequeno problema nisso tudo. O menino Elon não conseguiu ser parte do Twitter. Então ele o matou… e agora ele tem planos ambiciosos em cima dos espólios da falecida plataforma do passarinho azul. A questão é: ele irá cumpri-los?

No final das contas… a empresa é do menino Elon…

Em última instância, vamos lembrar com saudades do Twitter quando ali tínhamos uma plataforma bem legal. Descanse em paz.

Publicado em:Opinião,Pitacos na Tecnologia

Conheça também...