Menu fechado

Então temos o Remessa Conforme

No começo deste ano, houve um debate se o Governo Federal deveria ou não taxar – ou pelo menos regulamentar – as compras internacionais em sites de e-commerce estrangeiros. O governo a princípio resolveu taxar tudo para em seguida voltar atrás em sua decisão. Aí, criou-se uma espécie de “meio-termo”. Então, temos o Remessa Conforme.

O programa foi apresentado em julho de 2023 e a ideia do governo era a de criar um tratamento diferenciado para compras no comércio eletrônico, visando dar celeridade ao processo de importação e reduzir a evasão fiscal

O que diabos é o Remessa Conforme?

Trata-se de uma política tributária para a compra de produtos importados a ser adotado por grandes sites de vendas internacionais, como Shein, Shopee e Aliexpress, ou qualquer empresa que de e-commerce que atue na importação de produtos. Pelas regras do programa, produtos importados por pessoas físicas serão taxados de acordo com a seguinte:

  • Produtos de até US$ 50 são isentos de taxa de importação
  • Produtos acima deste valor serão taxados em 60% sobre o valor total (produto + frete)

Além disso, independente do valor do produto, incidirá uma tributação de ICMS de 17% sobre o valor total (produto + frete + taxa de importação). Então temos alguns cenários:

Produtos de até US$ 50

Vou pegar como exemplo, uma compra no Ali Express de um produto bem desejado por aqui: uma smart band da Xiaomi, a Mi Band 8 (ou mais corretamente, Xiaomi Smart Band 8).

De acordo com o Remessa Conforme, a MiBand 8 paga só ICMS

No dia que estou produzindo este texto, ela está disponível por R$ 216,85, ou seja, abaixo de US$ 50 (na cotação de hoje, equivalente a R$ 252,88). Então, tomando por base o valor, não há tributação de 60%, apenas o ICMS. Como o frete é grátis, então temos aí o equivalente a R$ 40,26 (o site por alguma razão indicou um valor ligeiramente diferente em cinco centavos). Assim, o valor final fica em R$ 237,16. Nada mal considerando que por aqui a mesma pulseira é encontrada por volta de R$ 376,00.

Produtos acima de US$ 50

Neste outro exemplo, tomei um mouse da Logitech, modelo MX Master 3. Por lá, ele está saindo por R$ 511,68, com um desconto de R$ 59,41 e frete de envio por R$ 83,53.

Neste caso, o mouse da Logitech sofre taxação de 60% mais ICMS

Fazendo as contas, e calculando o imposto e tributos de acordo com as regras do remessa conforme, teríamos um valor de R$ 307,01 de taxa de importação, R$ 153,38 de ICMS, o que resultaria num valor final de R$ 972,07. Entretanto, no site o valor final ficou acima disso… R$ 1.032,88. Aqui no Brasil, o mesmo mouse é encontrado por cerca de R$ 617. Neste caso, ficaria mais em conta comprar aqui no Brasil mesmo.

Temos exceções?

Com o programa, os impostos e tributos serão recolhidos no ato da compra e com isso os produtos comprados desta forma seguirão pelo chamado Canal Verde. A única fiscalização será inspeção alfadengária visando a gestão de riscos, para evitar a importação de itens proibidos por lei.

Mas vale lembrar que o Remessa Conforme não é de adesão obrigatória. E neste caso, os produtos adquiridos pelo comprador em empresas que não aderiram ao programa seguirão pelo chamado Canal Vermelho e seguirão para fiscalização tradicional, podendo a encomenda ser liberada mediante tributação ou isenção alfandegária, devolvida ao país de origem ou então apreendida pela receita federal.

Por que tanto barulho?

A internet trouxe uma nova modalidade de comércio… os chamados marreteiros digitais. É uma galera que compra e vende produtos adquiridos por importação ou então mantém canais de divulgação para compra destes produtos. Além disso é inegável que diversos produtos são realmente mais baratos por lá. Mas os mesmo marreteiros e compradores indignados se esquecem de algo muito simples. Eles só são mais baratos porque sonegam impostos.

Sonegação?

É… qualquer comércio estabelecido no Brasil precisa recolher seus impostos. E eu não vou elencar aqui tudo o que uma empresa precisa arcar. E mesmo algumas empresas nacionais vez ou outra caem na tentação de sonegar algum imposto.

A lei sempre foi muito clara… todos os produtos adquiridos via importação direta deveriam ser tributados em 60%, não importando o valor. Nunca existiu uma isenção de valores para compras internacionais. O que existia era a isenção para envio de produtos entre pessoas físicas para mercadorias de até US$ 50. As lojas e os compradores simplesmente se utilizavam de uma brecha da lei para emular envios internacionais entre pessoas físicas.

E a isto, soma-se a incapacidade de fiscalização da Receita Federal. Assim, muitos produtos eram liberados sem uma fiscalização apropriada e com isso a compra na China se tornava literalmente um “negócio da China”.

O que o governo fez foi criar dispositivos que mitigam a evasão fiscal. Com a tributação no ato da compra, em teoria o o governo garante que os impostos sejam arrecadados. E ainda em teoria, tornará o envio da mercadoria um processo mais célere, já que a fiscalização será tão somente voltada para gestão de riscos.

E qual o problema então?

Eu não sou contra a tributação. Afinal de contas, qualquer governo estabelecido precisa do dinheiro dos impostos para funcionar. E desde que a tributação seja correta, acho que deve existir a taxação sim.

Mas, ao mesmo tempo, temos que levar em conta que, muitos produtos sequer são comercializados por aqui por conta da inviabilidade de lucro por conta das empresas. Simplesmente não compensa importar em grande volume e trazer para revenda no Brasil. Tem muita coisa, muito cacareco que simplesmente não é vendido ou fabricado por aqui. Vou dar um exemplo de acessórios para fotografia e audiovisual. Eu comprei muitos produtos da marca Ulanzi que são mais baratos que os vendidos por marcas mais famosas como Greika e Elgato. Você não encontra produtos da Ulanzi por aqui. E os da Greika e Elgato são bem caros aqui.

Outro problema é o valor do imposto. É um fato que o governo brasileiro administra muito mal a arrecadação de impostos e investe sua arrecadação de forma mais duvidosa ainda. E muita gente se vale deste argumento para justificar não pagar imposto.

Pagar ou não pagar imposto?

Eu concordo que o Brasil precisa de uma ampla reforma fiscal e tributária. Eu defendo que o Brasil tenha uma gestão mais responsável de sua arrecadação fiscal, mas isso passa por uma discussão muito maior do que um ataque de pelanca por parte de alguns que agora precisam pagar o imposto que SEMPRE foi devido.

Mais uma vez para deixar bem claro: o governo pode e deve regular o setor. E não está errado em tributar as compras. Mas os valores são escorchantes. Um imposto de 60% é um absurdo sem tamanho que inviabiliza muitas compras que não possuem um equivalente no mercado nacional. E ainda por cima, sobre o valor tributado incide outro imposto. O que deixa o produto cerca de 92% mais caro que o valor original.

E é neste ponto que está o absurdo de tudo. Ao invés de uma alíquota específica, o governo poderia pensar em criar faixas de tributação, deixando alíquotas maiores para produtos com valor maior. Além disso, poderiam ser adotadas alíquotas mais acessíveis. Sei lá… alíquotas entre 5% e 35% em faixas de valores, por exemplo. Haveria um aumento de arrecadação e não tornaria a importação inviável.

E o argumento de estimular o comércio e a produção local?

Isto é uma bravata. Uma falácia. A China atualmente é o “chão de fábrica” do planeta Terra. E não dá pra competir com eles. Investiu-se em infraestrutura, em logística e além disso, a mão de obra local é muito mais barata do que qualquer lugar do mundo. Usar o argumento de que com isso queremos incentivar a produção industrial no Brasil é no mínimo uma desonestidade intelectual.

E quanto ao comércio, é pouco provável que os varejistas daqui ofereçam toda gama de produtos que os sites de e-commerce oferecem. As lojas querem vendas lucrativas. Não querem empatar recursos em estoques ou atender o consumidor. Uma loja é uma empresa. E toda empresa que existe em uma economia voltada para o mercado visa o lucro.

Enfim…

No momento, o que temos é um bando de pessoas indignadas porque não poderão mais fazer suas compras on-line. O que não é verdade. O que acabou foi a sonegação. Uma tributação de 92% por conta dos impostos sobrepostos é um absurdo que deve ser combatido. Uma isenção total e irrestrita seria injusta com a arrecadação fiscal. A discussão sobre o uso dos impostos fica para outro momento. A briga deveria ser por uma tributação mais justa e menos onerosa para o comprador.

Mas as pessoas estão mais preocupadas com seu umbigo do que encontrar uma solução viável para a questão da tributação dos produtos importados.

Publicado em:Opinião,Pitacos na Tecnologia

Conheça também...