Menu fechado

Última incursão sobre a polêmica USP x PM

É um tema espinhoso. De um lado, a sociedade dotada de valores morais rígidos que exige uma solução para o problema da violência crescente na cidade de São Paulo. Do outro, jovens que buscam afirmação no mundo, acreditando que suas ideias revolucionárias transformarão o mundo em um lugar melhor. No meio de tudo isso, milhares de pessoas que só terão uma posição sobre o tema dependendo de quem argumentar melhor.

Isto lembra bastante um barco com 5 remadores. Se os remadores que estão no extremo remarem cada um pra um lado, após algum tempo, os outros três remarão para o lado daquele extremo que se empenhar mais. Ou pior… não chegarão a um consenso, remarão ora para uma lado, ora para outro e o barco não sairá do lugar.

Um barco onde cada um rema para um lado pode não chegar a lugar algum

Como em todo tema polêmico e como em todo debate de ideias, todo radicalismo é burro e irracional. Não importa para qual lado da questão você olha, os excessos são nada mais nada menos do que o esgotamento da capacidade de pensar e argumentar sobre um tema. Então surgem métodos alternativos: as ironias por exemplo, cansei ver alguns radicais colocarem fotos em no Facebook ironizado a postura de quem foi a favor da retirada dos alunos, ou então a favor da ação da polícia ao conduzir os três usuários de drogas (ou como alguns disseram: maconheiros) ao distrito policial.

Vi também postagens com textos de intelectuais defendendo a atitude dos estudantes, outros defendendo a invasão. Vi alunos deslumbrados em participar ativamente de uma discussão como esta chamando alguns de fascistas. Vi e li muita coisa…concordei com algumas, discordei de outras. E de ambos os lados.

Ainda temos um conjunto de leis

Mantenho minha opinião: o uso de drogas é ilegal neste país. Se a polícia flagra pessoas portando ou utilizando drogas para uso próprio a ação a ser tomada é exatamente aquela que foi feita: conduzir ao DP e qualificá-los (o chamado termo circunstancial). Esta medida visa descaracterizar a primariedade do cidadão caso ele seja flagrado futuramente portando quantidades maiores ou então cometendo algum delito associado a isto.

Mas se esta é a lei, então deveria valer dentro do campus e também fora dele. E aí sou obrigado a dar razão aos radicais: a lei vale para todos. O que vale para um usuário de drogas seja ele universitário ou não, vale para qualquer um. E estamos cansados de saber que muitas vezes a PM faz vista grossa para delitos como esse que ocorrem nas ruas de São Paulo. Assim, ou aplica-se a lei a todos ou não se aplica a ninguém.

Agora, a reação por parte da comunidade também foi exagerada. Alguns desavisados trataram de alardear o fato como se fosse uma prisão política, como nos tempos da ditadura. Propagaram a ideia que alunos da universidade estavam sendo presos como uma represália ao seu livre direito de expressão. E aí, não existe razão. Houve o confronto. Os radicais alegaram excesso por parte da PM. Atirar pedras nos policiais também não é um excesso? Initimidá-los com uma turba não é uma excesso também? Aí, em protesto, os estudantes resolveram ocupar as dependências da FFLCH. Suas exigências? Que o convênio entre a PM e a USP fosse imediatamente extinto.

Exigir, nós podemos exigir muitas coisas: a paz mundial, o fim da miséria no mundo, um sistema educacional decente (principalmente na educação básica que anda tão esquecida pelos governantes)… mas o fato é que o que se via era palavras de ordem (bordões como “Fora PM!”, “Fora Rodas!” e “Abaixo a ditadura!”. Nenhum argumento construtivo ou a ideia de um debate para realmente provar, com argumento, que o ponto de vista dos manifestantes é o correto. E este radicalismo burro e intransigente acaba por deturpar toda a situação.

Estudantes colocam faixa de protesto (Foto: Evelson de Freitas)

Existe alguma solução?

Após muita reflexão, tenho que concordar que aumentar a segurança no campus não tem como única solução autorizar a entrada da Polícia Militar dentro da USP. Mas não concordo que a USP seja um território paralelo ao Estado. Autonomia administrativa não implica em ter autonomia legislativa. A USP e qualquer outro campus universitário está sujeito as mesmas leis brasileiras. Cabe ao estado garantir a segurança pública.

Para quem não sabe – e pelo visto, muitos não sabem – a polícia é a atividade que tem por objetivo assegurar a segurança das pessoas e bens, sobretudo através da aplicação da lei. O termo é utilizado para as corporações que tem como principal função o exercício desta atividade. Peguei estas informações no site Jus Brasil e também na Wikipédia. Muitos também não sabem que a polícia é segmentada em dois ramos principais: a polícia preventiva e a polícia judiciária.

A polícia judiciária destina-se essencialmente a investigar os crimes depois dos mesmos ocorrerem, com o objetivo de descobrir os culpados e levá-los à justiça. Normalmente, atua depois de uma atuação inicial por parte da polícia preventiva. No Brasil, esta é a função da Polícia Civil.

A polícia preventiva encarregada de prevenir a infração à lei por meio de patrulhamento ostensivo e da resposta rápida em situações de emergência. Na maioria dos casos, os policiais trabalham uniformizados de modo a serem facilmente identificados pelo público. Você encontra este tipo de polícia em diversos países: Inglaterra, França, Suécia, Estados Unidos, México e pasmem: no Brasil. Aqui esta polícia atende pelo nome de Polícia Militar.

Isto está lá naquela lei que teoricamente deveria ser conhecimento de todo brasileiro. Uma lei conhecida como Constituição Federal, publicada em 1988. Lá no seu artigo 144, especificamente no parágrafo 5º, temos:

§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Constituição Federal de 1988, Artigo 144

O mais interessante, é que os manifestantes não se lembraram do Artigo 5º da mesma constituição em vários de seus incisos. Cito alguns deles aqui:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

Constituição Federal de 1988, Artigo 5º

O problema era a maconha?

Como lembraram em algumas mensagens, não está em questão o problema da maconha. Bom, eu discordo… transportar e utilizar (além de produzir e vender, obviamente) é proibido por lei. Claro que a caracterização de crime ou delito está na quantidade encontrada. Ali foi encontrado uma pequena quantidade. Para consumo próprio. Não torna os 3 rapazes traficantes. Mas também não os tornam totalmente inocentes de um delito.

É um fato – e agora faço um apelo aos radicais ou aqueles alunos que ainda estão na pós-adolescência e acham que tudo podem e tudo que pensam está certo, para que ao menos reflitam sobre o que escreverei – a USP é um belo canteiro para festas. Festas alternativas, festas mais conservadoras, festas de todo tipo. Álcool e drogas estão lá… usa quem quer… quem não quer fique na sua… é muito simples.

E eu aprendi isso ainda nos meus tempos de UNICAMP. Saíamos das aulas do IB ou da FCM e íamos para o Bello. A cantina da biologia. Na mesa, cerveja à vontade e embaixo dela, um engradado para colocarmos os cascos vazios. Quem curtia a erva dava uma sumida lá para a praça central e ia se “divertir”. Tomei vários porres naquela faculdade. Não usava drogas… nem nunca usei… simplesmente não é minha praia… mas enchia a lata.

Ah… a PM não aparecia por lá. E algumas festas eram memoráveis… a Novalgina (festa da Enfermagem) era uma delas. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que para muitos, a presença da PM atrapalha um pouco esta rotina de sexo, bebidas, drogas e rock’n’roll. Se a PM estiver lá, muitos não poderão curtir o seu “tapinha na pantera”, não poderão tomar um belo porre, não poderão dar uma namoradinha no banco de trás do carro (o termo “namoradinha” só foi utilizado para não ser deselegante). Sim, a PM atrapalha aqueles que querem fazer tudo livremente. E para muitos a PM é um problema para esta “liberdade”.

A legitimidade do reitor

A comunidade da USP é bem heterogênea. Conservadores, radicais, professores, alunos, funcionários, utilizadores, trabalhadores terceirizados ou que atuam em comércios que ali estão (os funcionários dos bancos, por exemplos). Um das unanimidades ali é o descontentamento com o atual reitor, o Prof. João Grandino Rodas. Muitos julgam sua nomeação para reitor injusta pois, da lista tríplice apresentada ao Governador (que é quem escolhe o reitor) ele era o terceiro na preferência da comunidade.

Ou seja, e mais uma vez concordo com isso, ele não tem a representatividade e talvez até a legitimidade para ocupar o cargo de reitor. Não foi a primeira manifestação contra o reitor. Não será a última. Mas honestamente, não vejo como tirá-lo do cargo. Acredito que alguns pensaram que se o reitor fracassar na condução da crise PM x Alunos isto seria uma boa maneira de tirá-lo da reitoria. Mas, de novo, lembro aos radicais: simplesmente gritar “Fora Rodas!” não é nenhum argumento plausível.

O convênio deve acabar?

Não creio… mas é minha opinião. Algumas assembleias aconteceram na USP nos últimos dias. Em um universo de 80000 pessoas umas 3000 acreditam que é importante acabar com o convênio. Não é a maioria, mas também não é só um rodinha de indignados sentados lá no meio da FFLCH. Não entendo o que uma greve de alunos vai resolver e fico triste em saber que a Biologia (que é minha unidade) aderiu a esta greve. Como estou com a matrícula trancada, para mim será totalmente indiferente. Mas eu seria contra.

Não podemos confundir a discussão do movimento estudantil atual com o que aconteceu há quase 40 anos. Na época da ditadura, estava em jogo a liberdade individual, política e cultural. Hoje deveríamos nos voltar para a melhora das condições da educação. Pensar em reestruturar uma USP que está sendo aos poucos sucateada. Pensar em melhores condições para os professores, os pesquisadores, ampliar as bolsas de pesquisa para fomentar a pesquisa. Lá deveria ser um local para criação de novas ideias. E não um local para destruição de estruturas com base em ideias ultrapassadas.

Gostaria que acabasse este grupo de “estudantes profissionais” que nada colaboram para melhorias na educação, mas são os primeiros em busca de ideias estapafúrdias (como a invasão dos prédios) que chamam a atenção, mas que não agregam valor nenhum a um diálogo maduro e inteligente.

A propósito, estou fazendo uso de algo que me é conferido pelo inciso IV do artigo 5º da constituição federal: a liberdade de expressão. Sem me utilizar do anonimato. Assim, da mesma forma que respeito a opinião divergente da minha, espero que o respeito seja mútuo. Agressões verbais não levam a nada e serão simplesmente desconsideradas. Querem o debate? Estou pronto e à disposição.

Meu nome é Ricardo Marques, sou acadêmico do curso de ciências biológicas e esta é a minha opinião.

Publicado em:Opinião,Pitacos na Política

Conheça também...