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A Cor do Fogo

A primeira coisa que vem à memória do “Ensaio de Orquestra” é que todos os atores eram irremediavelmente feios – com exceção da pianista. A atriz – Elizabeth Labi – é tão bonita, que nem texto deveria ter, bastava que sorrisse.

A beleza de Elizabeth Labi em contraste com a "feiura" de seus colegas de orquestra
A beleza de Elizabeth Labi em contraste com a “feiura” de seus colegas de orquestra

O diretor Federico Fellini por certo tinha alguma predileção pelo piano, pois cada músico ali retratado tinha de alguma maneira a cara de seu instrumento.

A história do filme

A história gira em torno de uma reportagem que uma equipe de televisão fará sobre os bastidores de uma orquestra. Somos colocados na reportagem antes dela ser editada, o que confere agilidade ao filme mas sem perder a necessária cadência que teatraliza a filmagem.

É de fato um dos filmes mais dinâmicos de Fellini, curto até – dura menos de uma hora e meia. Há inclusive uma autocitação num diálogo entre músicos, onde se ouve que “’Oito e meio’ é um filme psicanalítico”. De fato, o “Ensaio…” é menos lembrado – e mais convencional – que o citado acima, não chega perto do lirismo de “Amacord”, da exuberância visual de “Casanova”.

Pelo contrário, é extremamente despojado, passando-se todo no recinto do ensaio (uma igreja da idade média) – faz uma reflexão sim, porém não de forma tão cáustica como “A doce vida”, e talvez nem mereça o adjetivo de “felliniano” que obviamente não se refere simplesmente a um filme dirigido por Fellini mas ao que os filmes dos quais acabamos de falar legaram ao cinema.

Por que “Ensaio de Orquestra”?

Por que então lembrar desta película mais ligeira justamente no centenário do diretor, nascido em 20 de janeiro de 1920?

Porque ela tece uma homenagem sobre a dedicação a um ofício. A partir das reflexões dos músicos sobre seus instrumentos, somos levados a pensar sobre o que fazemos de nossa arte, seja ela qual for.

Em uma cena, um músico fala “Não queremos muito da vida. Passamos nosso tempo com um pedaço de madeira ou de ferro nas mãos, tirando sons deles e isso nos basta.” É um tributo ao diletantismo, mas não pensem que não há ambições ali, ou pelo menos pretensões. A maioria pensa que a orquestra depende de seu instrumento, e quase chega a nos convencer como no caso do oboísta.

Há, contudo, o depoimento do tocador de tuba, que diz que teve pena do instrumento por isso se afeiçoou tanto a ele e o do sax baixo que, num cinismo melancólico, diz que seu instrumento faz um som de peido e seu desafio é um dia extrair daquilo algo mais próximo à música.

O tocador de tuba e os sons flatulentos... que ele transforma em música
O tocador de tuba e os sons flatulentos… que ele transforma em música

Claro que o Maestro tem parte de destaque e seu depoimento começa reclamando das leis do país porque elas o impedem de dar uns tiros nos músicos quando se faz necessário.

A compreensão do todo

A tensão do filme se dá exatamente no processo do Maestro compreender que depende dos músicos e destes entenderem aos poucos sua importância a ponto de se criar um clima de motim. No fim todos, dilacerados em suas vaidades, se entregam aos seus papéis entendendo que por mais que sejam virtuoses, seus trabalhos são componentes de um todo, maior e mais belo que cada um sozinho.

Assim devia ser na vida, mas não é. E constatar isso dia após dia nos coloca para baixo, quando talvez devêssemos compreender o todo e nos colocarmos à sua disposição, tocando nossos instrumentos com todas as forças de nossas almas. É justamente isso que o Maestro quer de sua orquestra, quando na cena final, interrompe o ensaio para uma bronca daquelas, onde termina berrando:

“Eu quero ouvir um som com a cor do fogo!”

O Maestro em busca do som com a cor do fogo
O Maestro em busca do som com a cor do fogo

Serviço

  • Ensaio de Orquestra (Prova d’Orchestra), Itália/Alemanha – 1979 (Sátira, 70 minutos)
  • Direção de Federico Fellini
  • Produção de Michael Fengler e Renzo Rossellini
  • Roteiro de Federico Fellini e Brunello Rondi
  • Com Balduin Baas, Clara Colosimo, Ronaldo Bonacchi, Elizabeth Labi e grande elenco
  • Sinopse: Uma orquestra reunida para um ensaio em uma antiga capela sob os olhos curiosos de uma equipe de documentários de TV, mas surge uma revolta entre eles, querendo provar seu virtuosismo individual.
  • Não consta data de lançamento no Brasil. Disponível para locação através do serviço Looke (Clique neste link)
Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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