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Ford vs Ferrari

Automobilismo raiz, soberbamente retratado na telona. Para um tempo em que os pilotos se sujavam de graxa, um cinema sujo de graxa. Ford vs Ferrari é cinemão “do bão”, da melhor qualidade, que diverte e enleva qualquer um que o assiste.

Uma premissa instigante

Uma grande montadora americana, a Ford, em dificuldades financeiras é colocada em cheque pelo seu presidente, Henry Ford II. Ele lança um desafio para reerguer a companhia. Seu diretor de marketing, Lee Iaccoca, que o sucederia anos depois e que criaria o Mustang, pede atenção para o fato da marca ser muito pragmática e não falar aos sonhos das pessoas. E a compara com a Ferrari.

É a senha para o filho de Henry Ford começar uma jornada para reerguimento de sua empresa, entendendo que carros não são apenas veículos condutores de gente, mas geradores de ideais. Entrará para isso, no mundo das corridas.

Ele contará para isso com Carroll Shelby, um dos maiores engenheiros automobilísticos da história (Matt Damon sóbrio, correto). O problema é que Shelby quer que Ken Miles (Christian Bale, na medida) pilote o carro. Miles é irrequieto, irreverente, bocudo e rebelde: em suma, não pode pilotar um Ford.

Matt Damon como Carroll Shelby e Christian Bale como Ken Miles
Matt Damon como Carroll Shelby e Christian Bale como Ken Miles

O processo de fazer a Companhia aceitar Miles e levar Miles a aceitar a Companhia durante todo tempo se revela um desafio para Shelby tão grande ou maior que as pistas, mas ele dá conta. As negociações se dão a todo tempo, sempre contrapondo o interesse do Capital ao sonho esportivo, mas todos de alguma forma cedem e tocam a vida em frente.

O engenheiro Carroll Shelby (Matt Damon) com Henry Ford II (Tracy Letts) negociando para ter Ken Miles (Christian Bale) como seu piloto de testes
O engenheiro Carroll Shelby (Matt Damon) com Henry Ford II (Tracy Letts) negociando para ter Ken Miles (Christian Bale) como seu piloto de testes

Mas não deixa de haver estocadas do roteiro ao pragmatismo desmedido de Ford em contraposição à postura sonhadora de Enzo Ferrari, que manda um recado via Iaccoca ao chefe deste, dando a senha para a contenda entre ambos quando diz “Fale para o seu patrão que ele não é Henry Ford. Ele é apenas Henry Ford II”.

O fecho deste arco se dá na cena em que, após a corrida, Ken Miles vê Ford posando para as câmeras, alheio a tudo, enquanto o Comendador Enzo o procura da tribuna de honra e quando seus olhares se cruzam faz um gesto de tirar o chapéu.

É um filme que retrata um tempo em que o circuito de Le Mans tinha uma parte de terra, com parca iluminação para a noite. Mostra que uma prova como as 24 Horas de Le Mans é vencida com resistência sim, mas iguais doses de persistência, estratégia e ousadia. Como as vitórias da vida. Esta metáfora é poderosa e o filme a quer mostrar o tempo todo e faz isso muito bem.

Ford vs Ferrari e o Oscar

Mas por que Ford vs Ferrari foi indicado logo, dentre outras, a Melhor Filme? Porque é cinema bem feito, em todos os detalhes. É tudo muito bem cuidado, conduzido, editado, interpretado. Ano passado, “Greenbook” foi o azarão que ganhou do favorito e chatérrimo “Roma” a estatueta.

Dois azarões podem ganhar em seguida? Talvez não, mas considerar Ford vs Ferrari azarão é exagero. Talvez o termo mais indicado seja “inusitado”. Na opinião desta Coluna, o favorito, 1917, não é melhor que O Irlandês ou que Parasita, seus concorrentes diretos, com Era uma vez em Hollywood – também melhor – correndo por fora.

Mas o filme do diretor James Mangold , que fez antes Wolverine Imortal e Logan, é ótimo a seu modo, sendo melhor que o filme sobre a primeira guerra e se não tem a grandeza, o lirismo e a empatia dos três citados respectivamente, tem sua identidade e não faria feio se levasse o Oscar.

Na torcida pelo azarão

Mas porque essa torcida toda? Primeiro porque não sou crítico de cinema, não tenho um nome a zelar e só uma editoria muito ousada como a deste Blog para dar esta missão a alguém como eu.

Sendo assim, eu posso apostar num filme que comecei a ver de forma despretensiosa, confesso que até com alguma má vontade, mas que foi surpreendendo aos poucos até que trouxe algum arrebatamento. Não é pouco e talvez os outros tenham começado com a desvantagem da grande expectativa.

Mas é suficiente para uma aposta e independente da premiação vale a pena assistir.

Serviço

  • Ford vs Ferrari (Ford v Ferrari), EUA – 2019 (Drama biográfico, 152 minutos)
  • Direção de James Mangold
  • Produção de Peter Chernin, Jenno Topping e James Mangold
  • Roteiro de Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e Jason Keller
  • Com Matt Damon, Christian Bale, Caitriona Balfe, Jon Bernthal, Tracy Letts, Josh Lucas, Noah Jupe, Remo Girone e Ray McKinnon
  • Sinopse: O projetista Carroll Shelby e o piloto Ken Miles enfrentarão a interferência empresarial, as leis da física e os próprios demônios para construir um carro de corrida para a Ford Motor derrotar a hegemonia de Enzo Ferrari nas 24 horas de Le Mans.
  • Lançamento no Brasil: 14/11/2019. Disponível para locação no Google Play.

Post Scriptum

Christian Bale consegue devolver para cima do Coringa em termos de melhor interpretação. Entendedores entenderão…

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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