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Vale a pena ver um filme com Adam Sandler

Julio Cortázar, referindo-se às diferenças entre conto e romance e fazendo uma analogia com o boxe, dizia que o conto vencia o leitor por nocaute e o romance vencia por pontos. O bom filme também é aquele que nos vence, mas como Muhammad Ali vencia: por nocaute no décimo-segundo assalto, depois de nos levar ao quase esgotamento golpeando-o na esperança de poder vencê-lo. E é com isso em mente que eu afirmo com todas as letras… vale a pena ver um filme com Adam Sandler.

Adam Sandler?

A estratégia de colocar Adam Sandler no papel principal de “Jóias Brutas” certamente foi pensada neste sentido pelos irmãos Benny e Josh Safdie, diretores do filme. Somos levados a desfazer do protagonista já nos créditos iniciais, que nos atordoam com uma filmagem real de uma colonoscopia, como se nos avisasse que o que está por vir é algo visceral.

Adam Sandler… numa performance exemplar

Howard Ratner, personagem de Sandler, é um joalheiro picareta, viciado em jogo com o casamento em crise. Ele tem dívidas, várias, e se enrola para poder pagá-las, já que para isso faz mais dívidas, geralmente envolvendo apostas e ele vai se enredando em progressão geométrica.

Joias Brutas

O filme começa com tudo muito profuso, mas muito mesmo: diálogos densos, ritmo alucinante – que se mantém pelo filme todo – a trilha sonora e principalmente a câmera com closes e cortes perturbadores desde o primeiro minuto, inclusive parecendo andar atrás dos personagens.

Quando finalmente tomamos pé da situação do que pode ser mais ou menos o conflito da história e seu fio condutor, percebemos atordoados a densidade do que estamos a ver. E Howard vai intenso, visceral mesmo em sua busca por resolver os problemas arranjando outros, deixando-se levar pelo hedonismo típico dos dependentes de jogo. Para ele, não é vencer a aposta a real motivação, mas aguardar pelo resultado.

A hipnose trazida pela adrenalina da roleta rodando é que traz o gozo e Howard nada mais faz do que buscar isso o filme todo até o limite, e nos leva a reboque. Ele não é um anti-herói, é aliás um tipo sui generis de protagonista, também muito explorado por outra dupla de irmãos cineastas, os Cohen.

Não chegamos a torcer por ele, mas o ritmo do filme não nos deixa escolha senão acompanhá-lo. Lá pelas tantas surge uma estrela da NBA, Kevin Garnett -interpretando ele mesmo (o filme se passa em 2012) – que se afeiçoa por uma pedra bruta contendo gemas de opala incrustradas que encontra na joalheria.

Kevin Garnett fica obcecado por uma joia bruta que poderia resolver os problemas de Howard

Garnett toma aquilo como um amuleto e decide comprar, mas Howard faz disso também um jogo e o que poderia ser a solução para todos os problemas vira outro problema, mantendo viva e aumentando a espiral de pendências.

Após uma exaustiva luta, o nocaute

A trama paralela do seu falido casamento se insere na justa medida do ritmo do filme e acaba por ser apenas um problema a mais. A cena em que sua desiludida esposa olha para ele e gargalha dizendo “Como você tem cara de imbecil!” chega tarde: ela diz aquilo para Howard, não para Adam Sandler.

O final conduz para a mais arriscada de suas apostas e prende pelo suspense mas também pela atuação de Sandler que nos entrega um personagem vivendo seu máximo êxtase em tom de epifania. Mas isso não redime Howard, nada o redime e ele nem busca por redenção.

Mesmo o vilão que ao fim demonstra alguma compaixão por ele paga caro por isso. No final percebemos o quanto a busca pelo prazer irrefreada e inconsequente do protagonista nos exauriu, o quanto as imagens nervosas assim como o texto e a trilha nos agrediram com jabs curtos até minarem nossa energia até que nos créditos finais nos encontramos na lona ouvindo ao longe a contagem do juiz.

Serviço

  • Joias Brutas (Uncut Gems), EUA – 2019 (Suspense/Drama, 134 minutos)
  • Direção de Josh Safdie, Benny Safdie
  • Produção de Sebastian Bear-McClard, Eli Bush, Scott Rudin
  • Roteiro de Josh Safdie, Benny Safdie, Ronald Bronstein
  • Com Adam Sandler, Kevin Garnett, Idina Menzel, Lakeith Stanfield, Julia Fox, Eric Bogosian
  • Sinopse: Nova York, primavera de 2012. Howard Ratner (Adam Sandler) é o dono de uma loja de joias, que está repleto de dívidas. Sua grande chance em quitar a situação é através da venda de uma pedra não lapidada enviada diretamente da Etiópia, cheia de minerais preciosos.
  • Lançamento no Brasil: 31/01/2020. Disponível para assinantes do Netflix.

Post Scriptum

Nós nos prometemos não comentar a respeito do merecimento ou não de Sandler ser indicado ao Oscar por sua atuação. Então não comentaremos.

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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