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Luta de classes?

Se você conseguir suportar a primeira hora de Parasita, vale a segunda. Ela começa com um toque de campainha. E o que se vê daí é uma reviravolta estonteante num filme que até então seguia numa obviedade tão gritante que parecia proposital. Seria uma luta de classes? Ou apenas uma luta predatória pela sobrevivência?

A história de Parasita

Uma família que mora num porão – não se sabe se invadido ou não – vive às voltas com questões fundamentais como roubar o wi-fi da vizinhança e pensando no almoço o que arrumar para o jantar.

Uma família que se aproveita do oportunismo de qualquer situação
Uma família que se aproveita do oportunismo de qualquer situação

Num dado momento, um amigo do filho mais velho o convida para dar aulas de inglês a uma jovem adolescente de família riquíssima. E o faz porque vai viajar ao exterior e quer deixar a moça aos seguros cuidados do amigo, se é que me entende.

O menino conta para a família que terá um emprego decente, de professor de inglês, ainda que não tenha um diploma de professor. Sem problemas: sua irmã cuida de falsificar um e lá vai ele.

A falsificação de um diploma e pronto... a farsa está montada
A falsificação de um diploma e pronto… a farsa está montada

Surge a oportunidade de invadir o hospedeiro

Com o tempo, ele percebe que a família ricaça – irritante e rasamente tratada como um bando de idiotas, pode ser o esteio da dele. Tramam assim que aos poucos todos estejam trabalhando na mansão, ainda que usem de métodos desonestos.

Aos poucos, toda a família adentra ao universo da rica família Park
Aos poucos, toda a família adentra ao universo da rica família Park

Dá tudo certo e a família rica sai para um acampamento de férias e os novos empregados (que escondem dos patrões o fato de serem uma família) se fartam com os uísques e petiscos da High Society. Mas essa, como dito acima, é a primeira hora. Tudo vai piorar, e muito, para todo mundo.

A partir da segunda hora

O filme nos esclarece que várias mansões sul-coreanas possuem bunkers que serviriam para defesa dos ataques da Coreia do Norte e para se esconder dos credores. A mansão dos Park – a família rica e idiotizada – tem um também e nele se desenrola parte importante da história. É nele que dá o conflito principal da trama.

Mas erra quem imagina que se trata de um filme sobre a luta de classes. O que existe numa dimensão é um convívio entre aqueles que se utilizam dos serviços de outras pessoas pagando por eles. Essencialmente não há anormalidade entre uma família rica ter uma governanta, um motorista e tutores para os filhos.

Pensar que se trata de uma luta de classes pode ser um erro
Pensar que se trata de uma luta de classes pode ser um erro

As franjas destas relações aparecem desde que o mundo é mundo, desde Amar, verbo intransitivo até Downton Abbey. Numa outra dimensão se dá o, por assim dizer, convívio entre os “parasitas”.

Parasitas?

O parasitismo é uma escolha circunstancial, como circunstanciais são todos os passos daqueles mais pobres. Isso fica muito claro quando o filho pergunta ao pai qual o plano deste, uma vez que se encontram em um ginásio da prefeitura local por terem ficado desabrigados por uma enchente – eu disse que pioraria.

A resposta do pai é definitiva e esclarecedora:

“Não há plano. Melhor é nunca ter plano. Assim nada vai dar errado.”

De volta ao trabalho, tendo deixado a própria casa debaixo d´água, o empregado vê o patrão maldizendo a tempestade que estragou o aniversário do filho e sente um travo amargo.

Fica ali exposto o flanco aberto pelos ricos em relação aos pobres: estes sempre miram aqueles, e os conhecem. Seja do alto do morro, seja trabalhando nas mansões. O contrário não existe. Rico não conhece pobre. Só faz uma vaga ideia. Só dele se serve. Fosse uma guerra aberta os pobres começariam em vantagem. Mas tal guerra nunca será empreendida. Se não se pode vencer o inimigo, junte-se a ele. Ou melhor, parasite-o.

Não dá para vencer seu inimigo? Parasite-o...
Não dá para vencer seu inimigo? Parasite-o…

Um parasita que não se importa em matar seu hospedeiro

O clímax do filme se dá quando eclode a guerra, sangrenta por sinal. O parasita tende a matar o hospedeiro ainda que assim tenda a morrer junto. Faz parte. Após a terra arrasada, o rapaz traça um plano de voltar a ver o foragido pai. Ele quer ascender socialmente e resgatar seu pai da condição não de pobre, mas de parasita.

Ele ambiciona desta forma algo acima do dinheiro, algo que está na superação daquele sentimento inominável que bem foi traduzido pelo Quinteto Violado em sua canção que diz: “Se o que nos consome fosse apenas fome, eu cantaria o pão.”

Serviço

  • Parasita (Parasite), Coreia do Sul – 2019 (Humor Negro, Drama, 132 minutos)
  • Direção de  Bong Joon Ho
  • Produção de Kwak Sin-ae, Moon Yang-kwon, Jang Young-hwan
  • Sinopse: Toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz com que o filho adolescente da família comece a dar aulas de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha arquitetam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos.
  • Premiações: Palma de Ouro (Festival de Cannes), Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original, BAFTA de Melhor Roteiro Original,
  • Lançamento no Brasil: 07/11/2019 (ainda em circuito no momento da publicação desta resenha). Disponível para assinantes do Now e também no Google Filmes.

Post Scriptum

A canção citada, do Quinteto Violado, se chama “Palavra Acesa”, e foi composta por Fernando Filizola e José Chagas.

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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