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Um rapper da pesada

Antes de mais nada é preciso entender que Meu nome é Dolemite é um filme baseado na vida de Rudy Ray Moore, um ícone da cultura pop norte-americana dos anos 70 que até hoje é reconhecido como referência. É consenso que o Rap não seria o que é sem ele. Logo no começo do filme, a propósito, Snoop Dogg faz um hipotético duelo de rimas com ele como se o ensinasse – e não o contrário – numa reverência irreverentíssima, só possível aos rappers.

Moore deve ter se contorcido de rir, esteja onde estiver (ele morreu em 2008 aos 91 anos) e certamente soltou um sonoro oh, nigga motherf…

Rudy Ray Moore criou o personagem Dolemite... um ícone da cultura pop norte-americana
Rudy Ray Moore criou o personagem Dolemite… um ícone da cultura pop norte-americana

Sobre o filme Dolemite is my name

O filme é propositadamente ruim, mas por isso é muito bom e vale muito. Explico. Para retratar o universo de Moore foi preciso retratar como ele enxergava as coisas. O roteiro é eficiente e honesto ao contar sua história, seus percalços, seus traumas, até que se dá a guinada a partir da invenção de Dolemite: um alter ego como tantos no showbiz, tal como Carlitos, Didi Mocó (eu sei que a comparação foi uma heresia, mas é para entrar no clima) que era um cafetão casca grossa que estripava os adversários e lutava algo que insistia em chamar de kung fu.

Eddie Murphy na pele de Rudy Moore e o impagável Dolemite
Rudy Moore cria o impagável Dolemite

A fotografia, o guarda-roupa e a cenografia chegam a doer nos olhos, mas a ideia é essa. Aquilo era Dolemite, um showman de relativo sucesso que resolve lá pelas tantas fazer um filme.

Moore percebe o potencial de fazer um filme com seu personagem
Moore percebe o potencial de fazer um filme com seu personagem

Com muito pouco dinheiro, um monte de estagiários na produção e com os amigos de submundo atuando, à exceção de um, por assim dizer, ídolo: Durville Martin, cooptado por Moore para dirigir e atuar no filme, ele manda brasa e realiza seu filmeco. Foi um baita sucesso na época e ele repetiria a dose mais três vezes, sem deixar suas raízes nos stand ups de bares negros dos rincões dos EUA.

Outra comparação herética que vem à mente é “Ed Wood”, filme de Tim Burton em homenagem ao mestre dos Filmes “B”. Burton filmou com o esmero de sempre mas errou a mão e entregou um belo filme. Meu nome é Dolemite não tem Tim Burton, tem Craig Brewer na direção. Ainda bem.

E tem Eddie Murphy no papel título

Eddie Murphy no papel título
Eddie Murphy no papel título

Sempre é bom ver Eddie Murphy sendo Eddie Murphy. Aqui ele se empresta à Rudy Ray Moore e se veste dele, em todos os sentidos. Murphy aceita o conselho dos anos, a barriga saliente e as rugas. E compõe um tipo digno de Dolemite.

E ele está bem acompanhado do elenco de apoio, com as participações do já citado Snopp Dogg, Chris Rock e Wesley Snipes fazendo Durville Martin. Snipes está mais canastrão que nunca, mas agora pode. Ele parece se divertir no papel mais do que a gente que o assiste.

Conclusões

A Bíblia nos diz no Evangelho de São João (achou que as heresias tinham acabado?): “Não amemos de palavra nem de língua, mas por obra e em verdade”. A Arte é sempre legítima, sempre é digna se for a Verdade do Artista.

Rudy Ray Moore se lançou inteiro, fervente à sua arte e quis com ela cativar e ser voz do povo negro. Quis também encher as burras de dinheiro, no que estava certíssimo. Sua Arte pode não agradar a ouvidos e olhos mais exigentes, mas certamente nos diverte irresistivelmente e nos inspira por sua entrega e energia ao construir sua Obra.

Talvez nem ele queria tanto, mas deixou um legado.

Serviço

  • Meu Nome é Dolemite (Dolemite is my name), EUA – 2019 (Comédia Biográfica, 118 minutos)
  • Direção de  Craig Brewer
  • Produção de Eddie Murphy, John Davis, John Fox
  • Elenco: Eddie Murphy, Wesley Snipes, Mike Epps, Craig Robinson, Titus Burgess, Da’Vine Joy Randolph., Keegan-Michael Key
  • Sinopse: Vendedor de discos em uma loja pequena e comediante de pouco sucesso, Rudy Ray Moore (Eddie Murphy) vê sua vida mudar quando começa a ouvir as histórias das ruas para renovar seu repertório, inserindo piadas sujas e repletas de palavrões. Não demora muito para que ele faça imenso sucesso, migrando o sucesso nas casas de show para discos extremamente populares, entre a população negra norte-americana. Decidido a ampliar seus horizontes, Rudy decide rodar por conta própria um filme estrelado por seu alter-ego Dolemite, um cafetão bom de briga que sabe lutar kung fu. O que ele não imaginava era que fazer cinema fosse algo tão complicado quanto conseguir que seu filme seja exibido em circuito comercial.
  • Lançamento: 04/10/2019 (EUA). Disponível para assinantes do Netflix.

Post Scriptum

Para os Breakingbadmaníacos e por extensão os BettercallSaulmaníacos, vale prestar atenção no dono do estúdio que compra os direitos do filme de Dolemite.

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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