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O mundo inteiro estava vendo

A guerra do Vietnã corria solta e a eleição presidencial norte-americana se daria neste contexto. De um lado Richard Nixon, do Partido Republicano, caso raro no século a disputar outra eleição presidencial mesmo tendo já perdido uma para John Kennedy. De outro, Hubert Humphrey, do Partido Democrata, cuja candidatura seria oficializada em Chicago entre agosto e setembro do ano de (claro!) 1968. Para marcar presença nesta convenção vários grupos se prepararam para realizar comícios e manifestações na cidade.

Todos os pedidos de todos os grupos foram negados, mas os líderes conduziram uma marcha de milhares para Chicago mesmo assim. No dia principal da Convenção a prefeitura de Chicago decretou “toque de recolher” à população mas não adiantou: houve confrontos com a polícia, depredações, muita gente presa e mais gente ferida.

Abriu-se um inquérito para apurar as responsabilidades. O Procurador Geral à época (interpretado no filme por Michael Keaton) negou a continuidade do processo que só foi retomado pelo Procurador seguinte, nomeado por Nixon. Nele, sete dos líderes eram acusados de incitação à violência, conspiração dentre outras contravenções.

Começa então um julgamento, todo enviesado, que dura mais de seis meses, ouve 200 testemunhas e que decide pela culpa dos acusados. Mas que de tão tendencioso, acaba por ser anulado em segunda instância.

Em “Os 7 de Chicago” temos a história deste julgamento. Um filme muito bem feito, narrado com dinamismo, fiel aos fatos – dentro do possível, pois algumas cenas foram adaptadas à narrativa, como a cena do final, que na verdade aconteceu no meio do processo. O filme mostra a motivação de cada um dos réus para lá estar naqueles dias em que “o mundo inteiro está assistindo”. Eram líderes estudantis, de organizações civis e até o líder dos Panteras Negras, o qual dá um trabalho danado ao juiz, que opta por amarrá-lo e amordaçá-lo – sim, isto realmente aconteceu.

O julgamento é mostrado com flashbacks dos conflitos de rua e com cortes para o comitê dos acusados, tudo muito fluido. A filmagem corre envolvente e os atores estão ótimos – destaque para Sacha Baron Cohen como líder hippie e Frank Langella, soberbo como o juiz.

Trata-se de uma reconstituição histórica cuidadosa sem o ranço de um didatismo professoral nem a queda fácil para romancear aqueles atos idealistas por um lado mas que trouxeram um risco grande e até consequências potencialmente trágicas. Mostra os conflitos pessoais e entre os próprios líderes dos protestos perante o rumo que as coisas estavam tomando.

Não fica claro se eles não tinham esta noção mas pareceu mesmo que estavam prontos para tudo. Foram homens de seu tempo, daquele mítico 1968 que tanto produziu de contestadores e parece mesmo ressoar até hoje.

O filme vale por conhecermos mais a fundo esta história marcante, daquela época marcante. Num momento em que tomar partido seja lá de que lado num assunto parece ser sempre uma obrigação ou uma questão de vida ou morte, “Os 7 de Chicago” consegue escolher o lado de contar uma história com honestidade e competência. Parece pouco, mas nos tempos de hoje é muito.

Serviço

“Os 7 de Chicago” (“The trial of the Chicago 7”, EUA, 2020) Direção: Aaron Sorkin. Elenco Yahya Abdul-Mateen II, Sacha Baron Cohen, Michael Keaton, Frank Langella, Eddie Redmayne, Mark Rylance e Jeremy Strong

Publicado em:Opinião,Sem Pipoca

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